sábado, 22 de junho de 2013

OPINIÃO: O pôrque dos atuais protestos no Brasil (Por Otávio Luiz Machado)

O pôrque dos atuais protestos no Brasil
Otávio Luiz Machado*

         Muitos me perguntam como foi possível de uma hora para outra a ocupação de espaços públicos em todo o País por milhares de pessoas sem que aparentemente houvesse um fato decisivo que o desencadeasse.
         É primeiro relatar que múltiplos protestos já aconteciam espalhados sem conseguir agregar muitos participantes país afora, embora com muita repercussão na imprensa e na sociedade, conforme nossas pesquisas já registraram com os protestos dos estudantes contra o aumento das passagens e em prol da melhoria dos serviços públicos, as marchas pela ampliação de direitos como a descriminalização da maconha, os direitos LGBT e das mulheres, a luta comunitária dos trabalhadores informais e dos atingidos pelas obras da copa e do reordenamento urbanos com participação popular, incluindo a resistência à privatização ou degradação das áreas de convívio coletivo e da denúncia do impacto das obras de mobilidade para a copa.
         Todos esses movimentos passaram a se conectar gerando uma consciência de solidariedade que apontava para a necessidade de uma nova cidadania e da radicalidade democrática, o que a bibliografia mais recente tem apontados nos mais diversos movimentos do Occupy, por exemplo.
         Nos meus livros MÚLTIPLAS JUVENTUDES: PROTESTOS PÚBLICOS E NOVAS ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO JUVENIL EM RECIFE e PROTESTOS PÚBLICOS E OUTRAS CENAS DE CIDADANIA busco trazer o cotidiano dos protestos em análises e imagens, o que corresponde ao que penso estar produzindo os atuais protestos. Podem ser analisados e baixados aqui:



         Os coletivos já mobilizados em períodos anteriores conseguiram atingir o centro da insatisfação popular nesse momento, que vem de um princípio de desesperança quanto aos rumos do País, conforme vimos no cenário de guerra urbana.
         É natural para o ser humano produzir uma reação descontrolada numa situação de indefesa, porque se os sindicatos, entidades oficiais que representam os principais movimentos sociais e o próprio setor público até então não fizeram muita coisa para a resolução dos problemas que nos afligem, foi a saída às ruas o único caminho diante dessa indefesa coletiva.
         A frase ímpar que representa essa posição foi a seguinte: “Desculpe o transtorno; estamos mudando o País”. Diante das exclusões que levam para longe do conjunto dos cidadãos uma condição de sujeitos de direito, a preocupação quanto ao futuro do País falou mais alto, porque a perda do poder aquisitivo com a volta da inflação e esse  pano de fundo de uma copa do mundo nada “rentável” para a maioria que somos nós exigia no mínimo uma resposta, uma reação, um grito.  
Se a denúncia está justamente no distanciamento dos anseios populares do poder público, a aproximação marcante de tantos movimentos e pessoas certamente vai diminuir esse fosso entre o Estado e a sociedade civil a partir de agora.
O pronunciamento da Presidenta Dilma passa um atestado de incompetência incrível, pois se o momento é de “ouvir as vozes democráticas que exigem mudanças” (Dilma em pronunciamento em 21 jun. 2013), por qual motivo isso não foi estimulado anteriormente? Os conselhos, as ouvidorias, o Parlamento, os movimentos dito organizados e a oposição que estão aí denunciando não tiveram força ou interesses suficientes para que muitas das nossas demandas se tornassem efetivos.
A Presidenta diz que quer ouvir as lideranças, mas para ouvir mais o que? Não é possível que não tenha ouvido até agora o que a população reclama em alto e bom som pelas ruas, praças e pontes do nosso País.  Não é possível que nenhum nível de governo conheça as demandas e os gargalos, cuja obrigação agora é de agir para o atendimento do que não tiveram capacidade nem interesse de realizar. É preciso diminuir a incompetência em órgãos públicos, como no comando da educação, da economia, da cultura, do planejamento, etc.
A Presidenta produziu uma verdadeira pérola no seu pronunciamento ao dizer que não se pode tolerar essa violência dos protestos, porque ela envergonha o Brasil. E a violência “comum” não envergonha o País? E a impunidade dos corruptos não igualmente envergonha o País?
Será nesse espaço entre o atendimento das demandas e o realinhamento do poder público em sintonia com a sociedade que se encontra o teste de fogo da democracia brasileira.
         Não foi só o sentimento de indefesa coletiva que produziu os protestos que tomaram o País, mas o sentimento de expropriação coletiva vindo com o diferencial para a copa em contraste com a indiferença com os serviços públicos essenciais voltados ao cidadão que vive no andar de baixo.
         As imagens do luxo dos estádios (Padrão Fifa) que abrigarão muitos poucos – contrastando com os prédios públicos – é o mais claro exemplo de que os políticos fazem as dívidas e manda a fatura para o povo pagar, configurando como mais uma incompetência dos órgãos públicos.
         Essa dívida enviada para o povo pagar, como compromete o presente e o futuro de todos nós que gerou esse sentimento de expropriação permanente e indefinida que levou uma multidão às ruas.
         As pessoas acuadas pela violência urbana, pelo enxugamento maior dos seus orçamentos e pelo cinismo dos governantes que não conseguem nem explicar como vão solucionar os problemas mais elementares do País, percebeu no contexto de uma pré-copa com esse torneio das Confederações que até agora nada do que foi prometido que  viria com a copa surgiu ou haverá possibilidade de acontecer.
A “internet” já vinha fazendo um trabalho de cidadania incrível, que engloba todas as faixas etárias, classes sociais e espaços geográficos diversos. Foi uma variável fundamental para a mobilização popular, pois a cada momento fica difícil não saber das coisas que acontecem e não se revoltar.
Mas foi o Movimento Passe-Livre, que não estava contaminado com esse ranço da política tradicional que deu credibilidade  e abertura de espaço para inúmeros grupos de movimentos juvenis até alcançar parcelas significativas da população. Que permitiu agrega diversos num movimento num só, principalmente de vários que nem se "bicavam" ideologicamente. 
Vimos mais uma vez os movimentos de juventudes emprestar o seu potencial para dar voz aos justos anseios  de toda uma sociedade. Nós que estamos aí produzindo cidadania aos jovens desde longa data contribuímos um pouquinho para a formação cidadã e a reflexão crítica de movimentos e jovens que foram à ruas novamente, o que os atuais protestos nos orgulham e nos dizem que precisamos fazer muito mais.


*É pesquisador, educador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

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