segunda-feira, 29 de outubro de 2012

OPINIÃO: Os movimentos estudantis em Pernambuco: entre o “velho” o “novo” (Por Otávio Luiz Machado)




Os movimentos estudantis em Pernambuco: entre o “velho” o “novo”
Otávio Luiz Machado*

Eu inicialmente ia escrever apenas sobre as eleições do DCE da UNICAP na semana passada, inclusive resgatando um pouco a história do Comando de Caças aos Comunistas (CCC) naquela instituição, os episódios como a prisão do jornalista Ricardo Noblat lá dentro pelo Major Ferreira ou a destruição com tratores passando por cima das sedes de entidades estudantis em pleno recrudescimento da ditadura civil-militar. Queria mostrar essa simbologia de tornar algo concreto que aconteceu - a demolição das entidades – com o objetivo ditatorial de transformar os movimentos estudantis literalmente em cinzas, em escombros, em área livre de qualquer manifestação. Mas mudei, porque é fundamental tratar dos movimentos estudantis hoje
É fato que os movimentos estudantis possuem lá sua particularidade. Os registros que estão sendo deixados para a história dos movimentos estudantis em Pernambuco apontam fatos, dados e nomes que seguem duas orientações distintas nas entidades estudantis (que são uma representação externa segundo a hierarquia das instituições de ensino).
Já pude discutir os movimentos juvenis na contemporaneidade com colegas de Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos em atividade fora do País. Ainda é um tema desafiador para qualquer estudioso do tema, porque tratamos de fenômenos sociais cuja dinâmica interna é muito rica, plural ou multifacetada, o que nos levou a tratar esse clássico movimento juvenil (que um dia foi hegemônico) no universo dos jovens como movimentos estudantis.
Mas é possível categorizá-los quando nos detemos especificamente nas entidades. Estão divididos entre o movimento burocratizado e cartorial que são fechados em entidades estudantis que cuidam exclusivamente dos “interesses” dos seus representados, como venda de carteirinhas, liberação de ônibus pagos pelas universidade para “todos” (a maior parte das vagas reservadas para os mais chegados) e para qualquer “evento”, sem contar a busca de patrocínios para as constantes festas. Tem universidade por aí que paga aluguel de som, toda a divulgação, a impressão de materiais, cachê de grupos e artistas (geralmente seus amigos), libera os espaços da universidade para promover uma atividade geral, mas os lucros com a venda de bebidas e outras coisas mais é dividido em partes iguais entre os organizadores. A prestação de contas não é feita para o conjunto dos estudantes, mas só entre os organizadores que usam critérios pessoais para “distribuir” os lucros, geralmente novas festas – dessa vez fechadas – ou pequenos mimos pelo esforço dos mesmos naquilo que produziram. É o público financiando o privado.
Mas também temos um movimento estudantil realmente conectado com as demandas gerais dos estudantes, que tornam as entidades apenas um ponto de partida e não o fim fechado nelas, pois mesclam as pautas gerais e específicas de forma primorosa e em constante diálogo com o conjunto de movimentos sociais, culturais e políticos do Estado. Elas são necessariamente feitas por entidades descentralizadas, que se somam a coletivos que são verdadeiras associações autônomas com enorme poder de influência e decisão que conseguem mobilizar e pautar os desafios do conjunto dos estudantes, como a questão dos preconceitos, das opressões, a cultura e a arte, da liberdade de expressão, o tabu das drogas, a situação dos estudantes oriundos de grupos desprivilegiados, etc.
O que estamos vendo na eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) vai nessa segunda direção, pois reúne uma galera nova e diferenciada, que pôde ser vista participando e tomando frente nos principais protestos públicos no Estado nos últimos tempos, nos atos em conjunto dos principais temas que afligem as juventudes e na formação política constante para os desafios que crescem a cada dia.
Um movimento de retomada do movimento estudantil brasileiro semelhante a isso só tivemos nas ocupações de reitorias da USP e da UnB tempos atrás, porque a organização forte dos estudantes permitiu quebrar estruturas antigas dos movimentos estudantis burocratizados que engessavam a movimentação de um conjunto maior de nomes em tudo que ocorria nessas universidades. Eram sempre os mesmos grupos, as mesmas pessoas e os mesmos títulos, que tentavam se passar por falsas renovações ou por inscrição de outros nomes para se diferenciarem, embora a mesma estrutura de poder, as mesmas práticas para se ganhar as eleições e a mesma falta de retorno para os estudantes.
As eleições do DCE da UNICAP, que aconteceram nos dias 25 e 26 de outubro de 2012, foram marcadas pela volta da normalidade democrática na disputa. Dessa vez não houve roubo de urnas, nem eleições pela metade que deslegitimavam o DCE e muito menos abuso do poder econômico, pois foram eleições de estudantes para os estudantes da UNICAP.
A comissão eleitoral foi a seguinte: Sergio Ferro (D.A. de Psicologia), Flávia Milena Guerra Laranjeira (D.A. de Matemática), Adriano Matsui Lopes de Araujo (D.A de Engenharia Química), Michael Lucena (D.A. de Gestão Portuária) e Eduardo Pitt (D.A. de Direito Fernando Santa Cruz).
As duas chapas que concorreram foram: Construção Coletiva e Viração. A primeira englobou movimentos importantes, como o Muda Direito, o Grito Estudantil, o Movimento Pra Fazer Diferente, a Correnteza, com a representação ou mesmo apoios nos mais diversos diretórios acadêmicos, dentro e fora da Unicap. A segunda foi representada por diversos nomes da juventude do PT, com o apoio de vários nomes que fazem parte de coletivos ou grupos estudantis.
O slogan da Construção Coletiva é “quem não se movimenta não sente as correntes que @ prendem”, com propostas de reconstruir um DCE – já que era uma chapa de oposição – com participação coletiva, melhorar o acesso e ampliar a biblioteca, realizar o encontro dos Prounistas, ampliar o número de bolsas, construir canais de divulgação do DCE com os estudantes e a sociedade (Blog, jornal, Rádio Poste, etc), fortalecer as licenciaturas, barrar o aumento das mensalidades e das taxas administrativas, etc. O slogan da Viração foi “o pavão sabe, é hora de Viração”, trazendo como propostas a criação de uma empresa Jr estudantil, uma ouvidoria estudantil, uma incubadora de projetos, uma creche universitária e tantas outras.
Nos dias da eleição deu para perceber que o assunto DCE “mexeu” com os estudantes, que entenderam o quanto ele é importante para os estudantes, embora essa sigla DCE estivesse um tanto quanto desacreditada por lá.
Os estudantes deram mais um voto de confiança ao DCE, principalmente porque anseiam que a entidade de fato respeite os estudantes, pois quando ele é sério presta um serviço ao conjunto da universidade, passa a ser uma força ativa, uma voz que é ouvida e um mecanismo de mudança no cotidiano da instituição.
Pude também ouvir as duas plenárias dos grupos que disputou as eleições ali mesmo em frente à sede do DCE. A Viração apostou que “a grande vitória a gente alcançou”, que foi contribuir para o ressurgimento de seu grupo na Unicap com novas lideranças, embora a meã-culpa quanto aos limites das disputas que engessaram a atuação estudantil maior por ali, ao considerar o quanto é fundamental “parar com a disputa pelo poder e unificar o movimento estudantil”. Outra autocrítica foi em relação ao distanciamento das bases (o conjunto dos estudantes da universidade), inclusive que foi um erro do grupo que ficou por 14 anos com sua participação, nesse caso a sempre cabeça de chapa pela União da Juventude Comunista (UJS) do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
A plenária da Construção Coletiva apontou que o grupo tinha a devida noção que é preciso discutir os “problemas reais da universidade”, que é preciso “construir uma relação muito harmoniosa com os estudantes”, que nesse processo eleitoral “formou muita gente” e foi grande a “confiança depositada na urna” pelo conjunto dos estudantes, sem contar que o “processo de disputa foi muito saudável”. A Construção Coletiva sabe que encontram uma entidade “paralisada”, que é preciso acabar com o oportunismo de grupos ou pessoas que encontram no DCE como uma entidade só para produzir carteirinha e chegar no estudante nesse momento, bem como é necessário transformar um processo que começou a cerca de um ano atrás quando se começou o diálogo para reativar o DCE.
O sentimento das pessoas que falaram nessa plenária é que o processo “foi uma coisa de dentro da Unicap para os estudantes da Unicap”, que “apesar dessa estafa eu me sinto muito orgulhoso, como resumiu um dos estudantes, o que só demonstra o nível de consciência política dos membros dessa chapa, cuja esperança pode ser resumida na fala de um (a) dos (as) estudantes: “que o sangue que dei seja muito válido”.
Enquanto os estudantes da UNICAP reabrem o seu DCE, o da UFRPE continua firme na luta e o da UPE vai caminhando para atender o conjunto dos estudantes, o da UFPE vive numa eterna “comissão gestora”, que não permite aos estudantes da instituição ter o direito de renovar a cada ano seus dirigentes porque a vitaliciedade dos membros não acaba. Isso abre espaço para a instrumentalização do “cargo” em benefício próprio, o personalismo que constrói lideranças que nem discursar direito sabem que acabam sendo o que os estudantes terão de engolir sem prazo de validade e sem ter o direito de ter acesso às prestações de contas e ao que elas andam fazendo em seu nome. Já passou a hora das eleições, é o momento de tomar esse processo para que os estudantes não continuem perdendo ainda mais enquanto um ou outro se beneficia dessa “desorganização” para lucrar.
Sem uma entidade estudantil em atividade, o que se vai continuar percebendo nas universidades públicas é o aparelhamento sem tamanho para beneficiar uns poucos. Até representação estudantil foi para o exterior para atividade política-estudantil com dinheiro público em nome do conjunto dos estudantes sem esse conjunto tomar conhecimento algum , como já tivemos conhecimento. Uma hora isso aparece.
A piora das condições de permanência dos estudantes e a degradação dos espaços públicos está relacionada à falta de uma representação dos estudantes por inteiro, que seja sem remendos, sem improvisações desastrosas e sem demagogia. Enquanto o DCE da UFPE continuar nessas condições os estudantes vão ter o que merecem: muitas migalhas, muitos privilégios para poucos e muita enganação.

 *É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

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