1 – Uma Homenagem ao Professor Denis Bernardes
Denis Bernardes (Por Fernando Lima)
No fecho de uma das obras-primas de Bergman, O sétimo selo, a morte conduz o séquito das suas vítimas recortadas na linha do horizonte. Seguem-na, os mortos, enfileirados e dançando. Dançam uma dança solene rumando para a escuridão irreversível. A cena é narrada por um obscuro artista ambulante. À luz do amanhecer, descreve a cena para sua mulher que traz o filho pequeno ao colo. A visão do narrador se dilui quando a mulher sensatamente observa: você e suas fantasias... E se vão puxando a carroça através dos campos desertos da vida. Cito de memória, daí a omissão das aspas.
Foi a morte de Denis Bernardes, no último sábado, 1 de setembro, o que me induziu a evocar o filme e a cena acima descrita com as tintas borradas da memória. Quem conhece o filme sabe que é uma luta entre o cavalheiro medieval (Max von Sydow) e a morte. A luta se trava na forma de uma partida de xadrez. O cavalheiro é um jogador exímio, um adversário refinado na arte do jogo, que é o jogo da vida, mas sabemos que está fadado à derrota. Pois quem teria gênio, astúcia e poder para dobrar a Inescapável nesse longo e fatal combate que contra ela travamos?
Setembro chegou privando-me, sem aviso prévio, de mais um dos grandes amigos de minha vida. O primeiro, Daniel Lima, morreu em abril. Com sua imaginação irreverente, Daniel habituou-se nos últimos anos do nosso convívio a aludir à morte como a Magra Caetana. Na visão do saltimbanco do filme de Bergman, ela lidera o séquito dos mortos portando a foice e a ampulheta. Nunca conversei com Denis, a sério ou brincando, sobre essa figura mítica e aterradoramente real. Lembro-me de que falamos com muito humor da velhice. Meu último encontro com ele e Gildo Marçal foi com certeza o mais divertido de tudo que com ambos compartilhei. Entramos a falar da vida e da velhice com a imaginação transfigurada pela magia do vinho tinto (que Gildo há muito estava proibido de beber e por isso nos acompanhava com a sobriedade lúdica dos viciados em Coca-cola) e daí fantasiei nosso internamento numa clínica geriátrica em tom bem mais delirante do que o da personagem de Bergman descrevendo a Magra Caetana e seu séquito dançando rumo à escuridão definitiva.
Além da beleza da cena que encerra o filme de Bergman, achei belo fantasiar meus amigos Daniel e Denis somando-se ao séquito da morte dançando como crianças. Ambos reverteram, fatalidade dos que morrem, à escuridão que ata os dois extremos de nossa passagem por este mundo: a escuridão do útero, de onde brotamos, e a escuridão do desconhecido, obra da foice e da ampulheta empunhadas pela Magra Caetana. Nada me custa imaginar Daniel saltitante, dançando a dança incontornável da morte. Custou-me um pouco figurar Denis despedindo-se da vida e dos que o amam, e aqui ficam, seguindo as pegadas dionisíacas de Daniel, a este dando uma mão, a Gildo a outra, enquanto mergulhavam na escuridão que doravante nos separa.
A memória involuntária, entretanto, astuta como a Magra Caetana no jogo de xadrex da vida, salta do fundo do meu inconsciente e repõe na luz transparente do dia uma cena de certo carnaval de Olinda. De repente, me vi na folia ao lado de Denis, Rita, Marjorie e Natan Sarmento. Logo que Denis e Rita casaram, depois de um namoro que começou no meu apartamento, o casal Marjorie e Natan a ambos somou-se criando uma espécie de confraria de farras de fim de semana. Participei de poucas, duas ou três, mas foi o suficiente para avaliar o quanto se ligaram através dos elos profundos da amizade feita de convívio alegre e festivo. Até onde pude perceber, esse foi o momento mais feliz da vida de Denis. A partir de então, nossa amizade encolheu e foi recuando para encontros esparsos e ocasionais. Outros amigos bem mais importantes entraram na sua vida. De uns dez anos para cá, diria que são eles, não eu, que melhor poderiam pronunciar-se sobre Denis, sobre fatos e experiências que mais profundamente vincaram seus últimos anos de vida.
Mas a imagem do carnaval que brotou do meu inconsciente traduz algo do espírito festeiro de Denis, avesso das suas características mais notáveis, aquelas que moldavam as linhas de um temperamento introspectivo, não raro dissimulado atrás de muitas portas inacessíveis. O Denis que aqui reponta, em plena folia do carnaval de Olinda, é o folião fantasiado como Dom Quixote, galopando um cavalo de fantasia escudado por seu fiel Sancho Pança, Natan Sarmento. Poucas vezes me diverti tanto no carnaval de Olinda seguindo-os rua afora na caça dissimulada, mas sempre sintomática, das mulheres lindas enfeitiçadas por esse circo colossal, esse delírio da imaginação coletiva que é o carnaval. Essas impressões me marcaram de forma tão profunda que na mesma tarde, recolhendo-me momentaneamente da folia, comecei a compor um longo poema intitulado Carnaval de Olinda. Por isso tomo a liberdade de abaixo transcrever os versos inspirados nas fabulosas aventuras que a fantasia carnavalesca os impeliu a desatar pelas ruas coloridas de Olinda:
De repente, um homem magro e recluso
se transfigura em Quixote
erra pelas ruas perseguindo mulheres
belas e atormentadas pela falta de amor ou pura carne.
Outro homem, um que fazia concursos e que já foi comunista
agora se chama Sancho e é louco qual o seu amo.
Mulheres vão libertando
que vivam o que desviveram.
A virtude atirem contra o diabo
que o corpo será dos homens,
amém.
São essas as memórias e imagens que quero reter nesta crônica dedicada a Denis Bernardes. Já que não era Bernardo, mas Bernardes, ficam aqui implícitos os muitos que foi. Outros com certeza melhor diriam sobre a obra de historiador que produziu, tão pouco conhecida. Mas o fato de Evaldo Cabral de Mello, um dos maiores historiadores brasileiros, distingui-lo com referências elogiosas a seu O Patriotismo Constitucional: Pernambuco, 1820-1822, sugere um pouco do que esta obra representa para o estudo do processo histórico complexo, e ainda pouco estudado, da nossa independência. Outros ainda, a maioria, poderiam opinar sobre sua vida de professor e pesquisador. Outros sabem melhor da coerência discreta com que militou em nome de causas e movimentos políticos temperados por sua presença sempre admirável no seu timbre de tolerância e civilidade, no senso de virtude agregadora que assinalava sua participação em muitos grupos intelectuais e políticos.
Alguns amigos comuns ocasionalmente me falavam nos últimos tempos de um Denis transformado por experiências dolorosas associadas à doença e circunstâncias privadas alheias ao nosso convívio direto, que se estendeu, com as interrupções inevitáveis, de 1974 à época em que casou com Rita de Cássia, sua segunda mulher. Depois disso nossos encontros foram sempre, como acima salientei, esparsos e ocasionais. Costumo dizer que a amizade é o privilégio da intimidade. Tive a ventura de compartilhar isso com Denis e alguns poucos, pois amizades autênticas não se fazem nem perduram em redes sociais ou no circuito volátil das festas e reuniões sociais. E a intimidade é por natureza inconciliável com a exposição. Denis foi dos raros dotados de um senso não somente ético e político, mas também temperamental, nitidamente discriminativo da fronteira entre vida pública e vida privada, entre o privilégio da intimidade, expressão maior da amizade, e a vida pública.
A propósito, conviria religá-lo neste ponto a Daniel Lima. Ato assim, por mero arbítrio associativo, as duas pontas da crônica, já que comecei juntando-os num mesmo parágrafo e agora volto a reuni-los para concluir a crônica. Foram ambos homens afortunados, pois tinham o dom de se fazer amar. Embora tão distintos em termos de personalidade e temperamento, desfrutaram sempre do privilégio de serem bem amados, de preservarem amizades fiéis ao longo da vida. Até onde sei, essas amizades essenciais se prolongaram até à linha fatal onde foram colhidos pela Magra Caetana portando sua foice e sua ampulheta. Um dia, nós que aqui ficamos e lhes preservamos a vida que sobrevive na memória e nos ritos simbólicos que atualizam no tempo os que partiram, um dia seremos também colhidos pela Inescapável. Tudo que desejo (que mais desejar em face da necessidade?) é que ambos, Daniel e Denis, tenham partido dançando de mãos dadas com Gildo Marçal, Paulo Medeiros e tantos outros que já percorreram a linha irreversível da vida. Tudo que desejo é também saber dançar a dança da morte, que se aprende na vida, no momento em que a foice e a ampulheta sobre mim descerem.
Recife, 3 de setembro de 2012.
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Luciano lamenta morte do professor Denis Bernardes
Na tribuna, Luciano homenageou o amigo Denis Bernardes.
O deputado Luciano Siqueira (PCdoB) ocupou a tribuna da Assembléia Legislativa na tarde desta segunda-feira (03) para registrar seu pesar pelo falecimento do professor, pesquisador e historiador Denis Bernardes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O professor faleceu no último sábado (1º).
Segundo Luciano, Denis Bernardes foi durante sua vida acadêmica, “alagoano que era”, um partícipe ativo da luta democrática e também da construção de um pensamento avançado sobre a Região e sobre o país, no âmbito da UFPE.
“Denis fez mestrado na França e doutorado em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Exercia muitas funções, dedicando-se de longa data à pesquisa para revelar a identidade do nosso povo, através de sua história, focado na Região Nordeste, e pode ao longo de décadas formar novas gerações de professores, de pesquisadores, de técnicos, novas gerações para a vida e para a vida acadêmica. O professor Denis Bernardes era também um grande conhecedor do carnaval pernambucano, da nossa cultura, um folião”.
Luciano disse ainda que, no último sábado, durante o velório no salão do Conselho Universitário da UFPE ouviu depoimentos de inúmeras personalidades, alunos, ex-alunos e funcionários da universidade a respeito da trajetória exemplar do professor falecido. “É, portanto, uma perda muito grande para o pensamento acadêmico, para a interpretação da nossa vida, da nossa gente, da nossa realidade, o falecimento do professor Denis Bernardes. E eu perdi um grande amigo”, lamentou.
Luciano encaminhou ainda requerimento à Mesa Diretora da Assembléia Legislativa no sentido de que a Casa manifeste voto de pesar oficial pelo falecimento do professor.
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Denis Bernardes em minha vida (Por Biu Vicente)
Vamos nos fazendo aos poucos, no tempo entre o nascimento e a morte. Não somos nunca de maneira definitiva e, somos a cada momento de nossa formação receptáculos da ação de muitos com que convivemos no tempo que nos e dado. Desses contatos, às vezes profundos, na maioria das vezes pouco mais que alguns momentos com certas pessoas são capazes de nos influenciar sobremaneira. Sempre penso nisso quando de alguma maneira tocam em meus ouvidos as palavras Denis Bernardes.
Morava em Nova Descoberta, onde cresci desde os quatro anos de idade, quando conheci Denis. Foi algum tempo depois da grande cheia de 1965 e, Dom Hélder Câmara havia iniciado a bela Operação Esperança com a motivação de organizar as populações que sofreram as grandes chuvas e a cheia do Rio Capibaribe. Em Nova Descoberta, jovem de quinze anos, misturava-me aos mais velhos na tarefa de organizar os dados das famílias sem casa e distribuir o material de construção para o reerguimento das casas nos morros e nos córregos. Desse trabalho surgiu o primeiro Conselho de Moradores, ali em Nova Descoberta. E foi um aprendizado, uma faculdade, pois começamos a receber jovens universitários que nos auxiliavam e nos ensinavam enquanto viviam conosco a beleza do aprender enquanto se faz e respeitando o conhecimento que já se possuía. Estudantes de medicina, de psicologia, sociologia, direito frequentavam o bairro e nossa casa. Eram muitas conversas, por exemplo, como a atual presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, a psicóloga TCampelo, hoje aposentada após anos de docência na UFPB. Mas além desses que participaram da invenção da liberdade com os jovens e adultos de Nova Descoberta nos anos sessenta através da presença institucional da Operação Esperança, havia outros.
Morando em casa no próxima à Subida da Colina dos Andes, dois jovens estudantes tornaram-se foco de atenção dos jovens ligados à Operação Esperança e aos grupos da Igreja Católica. Um deles eram Rubem e Denis Bernardes. Apenas moravam lá e mantinham a porta da casa sempre aberta para quem quisesse entrar, ouvir música, conversar. Fui levado àquela casa por Carlos Brito, hoje, creio, já aposentado como Juiz. Conversamos pouco e voltei duas ou três vezes. Foi assim que recebi o livro História do Brasil de Armando Souto Maior para preparar uma aula. Meses depois do AI 5. Nunca devolvi o livro que ainda está na minha estante. As decisões que tomamos e as decisões dos outros nos afastam dessas pessoas que nos ensinam. Mas, aprendemos, que ensinar é ser capaz de afastar-se para que o outro caminhe na direção da sua vida e não na direção do ensinante. Anos depois encontro Denis Bernardes professor de História na UFPE, mas não em História. Coisas da Academia e dos acadêmicos. Denis Bernardes com a singeleza dos gestos, comedimento nas palavras criou novas maneiras de interpretar o Recife. Seus artigos continuaram as conversas que tínhamos, eu menino de 18 anos e séculos de planos para o mundo, ele, o professor informal a indicar o caminho mais profundo para entender o Recife que nós dois amamos. Fui honrado em participar de algumas bancas acadêmicas ao seu lado. Tatiana Portela deu-me a oportunidade de, ao lado de Denis e na companhia de Manuel Correia de Andrade, discutirmos sobre Joaquim Nabuco, em um belo e premiado documentário.
Meu professor e amigo Denis Bernardes deixou conosco uma obra inspiradora a ser continuada. Todos os que convivemos com ele sabemos que nos fará falta. Mas todos sabemos que ele continuará conosco, pois somos imortais nos amigos que deixamos.
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Dênis Bernardes: a dor pela perda de um mestre (Por Marco Mondaini)
Da minha geração nordestina dos anos 1960, Dênis Bernardes era seguramente o mais talentoso (Gildo Marçal Brandão).
Escritas no ano de 2006 pelo cientista político e professor da Universidade de São Paulo, Gildo Marçal Brandão, as palavras da epígrafe acima explicitam o reconhecimento da grandeza intelectual do grande mestre que acaba de nos deixar, quando da publicação daquele que seguramente é o seu livro mais brilhante: O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822.
Alagoano como Dênis, a morte do amigo Gildo, em 15 de outubro de 2010, aos 61 anos, causou-lhe uma profunda dor, uma dor proporcional àquela que todos nós — alunos, professores e técnicos — da Universidade Federal de Pernambuco, que tivemos a oportunidade de conhecê-lo mais de perto, sentimos em ocasião do seu falecimento neste 1º de setembro, aos 64 anos.
Historiador de uma erudição ímpar, Dênis foi um intelectual que, como poucos, soube fundir inteligência e generosidade. Todos os relatos feitos durante a sua despedida, no auditório João Alfredo, na Reitoria da UFPE, nesta triste manhã de domingo, procuravam reconhecer tal fusão. Porém, de todos os emocionados testemunhos, é impossível não destacar aquele feito pela filha da trabalhadora doméstica que, incentivada por Dênis, em meio à sua biblioteca olindense, chegou, anos depois, à universidade, tornando-se graduada e pós-graduada.
De fato, tal depoimento revela por inteiro o compromisso ético-político deste historiador que, alinhado ao que de melhor existe no campo do pensamento crítico, optava por dar destaque em suas ricas análises às rupturas e transformações sociopolíticas ao invés de enfatizar a força modorrenta das permanências e continuidades de longa duração, o que o levava a sempre desconfiar das investigações que enfatizavam, em suas conclusões, a potência da inércia histórica, as amarras temporais responsáveis pela reprodução social. Por isso, para Dênis, as lutas políticas travadas por Frei Caneca e Gervásio Pires, no contexto da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, não poderiam deixar de ser realçadas com vigor pelo discurso historiográfico.
Daí, por outro lado, a sua preocupação crescente com a história dos direitos, em particular com o desenvolvimento histórico da “proteção social nas constituições brasileiras” — título da disciplina por ele criada e ministrada no Departamento de Serviço Social, há alguns anos.
Finalizo a presente nota, neste momento em que a perda do mestre ainda causa uma forte dor, deixando que ele mesmo expresse aquela que foi a sua grande utopia, num dos seus últimos escritos. Então, num prefácio dedicado à memória do amigo Gildo, com o significativo título “O projeto de uma humanidade livre da miséria”, escrito para um livro meu publicado no final de 2011, o historiador que fez da inteligência generosidade afirmava que:
O projeto de uma humanidade livre da miséria, da fome, da exploração, das injustiças, da ignorância esteve presente ao longo da história e, felizmente, ainda não desapareceu do seu horizonte [...]. Pois esta é uma luta na qual o passado é uma referência fundamental, contudo, jamais encerrada e ainda presente.
Pois bem, uma das maneiras de manter viva a memória desse homem que tanto se engajou no resgate e preservação da memória histórica em nosso país talvez seja dar continuidade à luta por esse projeto. Com isso, por muito tempo ainda, poderemos exclamar: Dênis, presente!
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Nota do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano Universidade Federal de Pernambuco em memória de Denis Bernardes
Recife, 03 de setembro de 2012.
O Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano – MDU/UFPE expressa sua admiração e respeito pelo trabalho do grande mestre Denis Bernardes. Sua participação sempre constante nas orientações e bancas examinadoras marcou com enorme competência a formação de mestrandos e doutorandos, engrandecendo assim as pesquisas em curso no programa. Exímio pesquisador relatava os fatos com a força de um espírito inquieto e apaixonado pela busca do conhecimento revelando extrema sensibilidade que transbordava de sua alma de entusiasta da causa histórica e urbanística. A emoção presente em suas palavras ficou e ficará por muito tempo nas salas de aula como exemplo de dedicação, estímulo e bravura. Fica desse sentimento a frase de Mário Quintana: “O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...”.
A Coordenação.
Maria Ângela de Almeida Souza
Coordenadora do PPGMDU
Ana Rita Sá Carneiro
Vice-Coordenadora do PPGMDU
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Algumas palavras a Denis Bernardes, por nossa grande amizade, iniciada desde 1969 (Por Emilia Maria Mendonça de Morais)
Recife, 02 de setembro de 2012
Todos nós sabemos por que estamos aqui hoje; todos nós recebemos e desfrutamos a dádiva da presença, da atenção e da amizade de Denis. Ele foi sobretudo um amante da justiça e, muito particularmente, da beleza, cuja fome podemos saciar sem contra-indicações ou efeitos colaterais. Guardemos sobretudo isso dele porque vivemos em um tempo que nem mais reconhece esses valores como vitais. Corremos o risco de nos contentarmos com muito menos; menos que a justiça, muito menos que a beleza.
Denis foi também um amante da alegria! Por tudo isso, relembro algumas das palavras que encerraram o discurso de Guimarães Rosa quando tomou posse na Academia Brasileira de Letras: "A gente morre é para provar que viveu". E como Dênis viveu! Disse ainda Guimarães Rosa:
"Sobe a luz sobre o justo e dá-se ao teso coração alegria!" (...) As pessoas não morrem, ficam encantadas". Logo em seguida, concluiu: O mundo é mágico. Vamos dar, aqui e agora, movidos pela saudade e pela esperança, um crédito de confiança ao poeta: se nós ainda estamos vivendo neste mundo, é só porque nós mesmos ainda não nos tornamos encantados; mas, se este mundo é mesmo mágico, então, nós todos estamos vivendo sob muitos sortilégios e encantamentos.
Por isso eu pediria: apesar de toda a nossa tristeza por sua ausência, que nós nos nutríssemos, a partir deste instante, do doce encantamento que foi desfrutar da amizade de Denis.
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Uma homenagem ao Professor Denis Bernardes (Por Otávio Luiz Machado)
Ao receber a notícia do falecimento do Professor Denis Bernardes, que era ligado ao Departamento de Serviço Social da UFPE, também fiquei bastante entristecido, porque via nele uma das pessoas mais sensíveis e comprometidas com o desenvolvimento educacional e científico do Brasil, sem contar a figura humana que cativava a todos que o conheciam.
Quando começamos a pensar nele após esse triste episódio, o que nos alenta é que ele deixou vasta obra, sem contar o seu exemplo e as lições que deixa como acadêmico e pessoa, pois conseguiu contribuir com a formação de inúmeras pessoas ao longo de vários décadas e ensinar tarefas intelectuais fundamentais. A simplicidade de Denis Bernardes não contrastava com o seu status acadêmico invejável. Era um dos que soube fundir vida pessoal, vida acadêmica e projetos futuros. Não erra arrogante e nem ficava por aí tentando mostrar a si mesmo de forma vangloriosa, porque deixou marcas que não se apagarão, além de ser uma figura que se superava a cada novo desafio.
Em 2010 recebemos o convite dele para escrever um artigo coletivo sobre juventudes para a Revista Estudos Universitários da UFPE, na qual ele era o editor. No mesmo ano tivemos a participação dele num seminário nacional que organizamos na UFPE sobre os jovens. Em seguida participamos juntos da Conferência sobre Tecnologia, Cultura e Memória (CTCM) no Instituto Brennand. Num dos dias da atividade saímos de lá juntos e fomos conversando até a UFPE, inclusive trocando experiências das atividades que tínhamos interesses em comum.
Também me encontrei com eles várias vezes quando fazia alguns registros do cotidiano da universidade, no qual ele incentivava falando de sua importância e apontando o ineditismo da nossa iniciativa. O último contato que tive com ele aconteceu dias atrás, quando Denis enviou uma mensagem pelo correio eletrônico me parabenizando pelo artigo GREVE: A GERAÇÃO ANOS 1970 NO COMANDO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. Foi a última vez que trocamos uma mensagem e alimentamos um convívio intelectual intenso.
Há dois anos atrás o nosso grupo fez um vídeo com ele, inclusive para registrar e buscar difundir o trabalho dele a partir da UFPE. Ele falou sobre sua formação e o que vinha desenvolvendo na ocasião.
http://www.youtube.com/watch?v=lZwyJcWy9p0
O que se busca nesse momento é a tranquilização das pessoas para que superem essa irreparável perda, ao mesmo tempo em que a UFPE e tantas outras instituições façam as devidas e merecidas homenagens ao grande Denis Bernardes. O próximo trabalho que vou publicar será dedicado a ele. Nesse momento além do que já disse, também cabe dizer uma última coisa. Boa viagem, Denis!
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Morre o professor Denis Bernardes (Por Arthur Pedro, Ascom/Fundaj)
Faleceu, no último sábado (1), aos 64 anos, o professor Denis Antônio de Mendonça Bernardes, do Departamento de Serviço Social da UFPE. O velório ocorreu no auditório João Alfredo, na Reitoria da UFPE, na manhã e tarde do domingo (2), e o enterro, no mesmo dia, às 17 horas, em Maceió (AL), cidade natal do docente.
Denis Bernardes dedicou toda a sua vida acadêmica à UFPE, onde iniciou a sua formação de historiador e era professor desde 1975. Lecionou e pesquisou no Departamento de Economia e, posteriormente, no Departamento de Serviço Social. Fez o mestrado na França e o doutorado em História Social na Universidade de São Paulo. Em suas mais recentes pesquisas, vinha se dedicando à relação entre memória, informação e sociedade. O professor era o atual editor da Revista Estudos Universitários da UFPE.
Denis pesquisava a fundo, nos arquivos e bibliotecas, a história política do Brasil no século XIX, principalmente a relacionada ao período próximo à Independência (Revoluções pernambucanas de 1817 e 1824), detendo-se na constitucionalidade, na imprensa da época e num personagem em particular: Frei Caneca. Desses estudos, surgiram os seus livros “Um Império entre Repúblicas”, lançado pela Editora Global, em 1983, e “O Patriotismo Constitucional: Pernambuco, 1820-1822”, editado em 2006 pela Editora Universitária da UFPE. Porém, apesar de ser um intelectual preocupado com temas como o Liberalismo e a cidade do Recife, o professor também enveredava por temas culturais, tendo um destes trabalhos dele resultado no livro “O Caranguejo e o Viaduto”, publicado pela Editora Universitária, em 1996.
Na Fundação Joaquim Nabuco, Denis teve uma atuação destacada, participando de diversos seminários promovidos pelas Diretorias de Pesquisa Social e de Documentação, seja como conferencista e/ou palestrante. Foi amigo e discípulo do antigo diretor do Centro de Estudos e Pesquisa da História Brasileira (Cehibra), e também historiador, Manuel Correia de Andrade, falecido em 2007, com quem colaborou em algumas pesquisas.
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