A hora é de
Eduardo Campos? Ou a repercussão eleitoral dos protestos pelo Brasil afora
Otávio Luiz Machado*
É fato que tivemos a primeira vez em que
as redes sociais tiveram um grau de utilização intensa com muitos resultados
positivos no Brasil, tanto na mobilização para os protestos de indignação de
quase todo o povo, como na difusão imediata de informações, imagens e opiniões
praticamente disponíveis em tempo real.
A repercussão eleitoral dos protestos já
emitem fortes sinais de que poderemos ter nas próximas eleições presidenciais uma
mudança significativa das chances de quem aparentemente poderá vencer o pleito
com mais facilidade, cujo semelhante resultado foi percebido em diversos países
do globo em momentos recentes.
O processo civilizatório do País entrou
nessa semana num estágio mais avançado, pois aquilo que chamamos de brasilidade
(a condição de sermos brasileiros) ganhou novos sentidos. Numa situação em que
no momento da seleção brasileira, quando pararia o Brasil, o que se viu foi um
movimento popular chamar mais atenção de todo o País, invertendo a lógica
perversa que nos persegue: País do futebol, do jeitinho brasileiro, do marasmo
e da indolência do povo eternamente enraizadas na nossa cultura.
O País não será o mesmo ao terminarmos
essa semana. Só tínhamos condições de cantar em coro o hino nacional quando o
time do Brasil entrava em campo e isso era televisionado em rede nacional, mas
não em tantos espaços públicos por todo o país num mesmo dia e em locais que
não possuem um formato de uma construção arredondada, com uma estrutura de
arquibancadas e cujo atrativo são pessoas correndo atrás de uma bola.
Não é exagerado dizer que foram os
supostamente vândalos – reprimidos preventivamente pela PM de São Paulo sem
nenhuma ação inicial por parte deles – que mudaram a cara do País, nem tampouco
dizer que em poucos dias conseguimos fazer o que as políticas públicas de
segurança até hoje não conseguiram: o início da humanização da polícia. A cena
de policiais utilizando apetrechos brancos chamando a atenção para o diálogo e a
melhor convivência humana e distribuindo rosas ou panfletos pedindo paz em
diversas cidades do País foi marcante, como assim o foi o impacto das notícias
da imprensa que aparentemente apontam o começo do fim do divórcio da maioria da
imprensa com os movimentos reivindicatórios.
Era difícil prever que tantos
estigmatizados como vândalos ou os ditos radicais espalhados pelo País– os que
se arvoraram no enfrentamento com a PM ou para o quebra-quebra – puderam
detonar aquilo que faltava muito entre nós: a vergonha na cara. Que nos levava
ao conformismo e ao silêncio.
Nesse contexto não é desprezível o
argumento de que a hora de Eduardo Campos é agora, o que significa dizer que a
conjuntura política mais uma vez torna-se favorável a quem vem investindo muita
propaganda para passar a imagem de que ele é parte de uma gestão pública que
faz acontecer com benefícios mais eficazes à população, o que tem sido a
principal reivindicação dos milhões de brasileiros que foram às ruas no dia de
ontem (20 de junho de 2013) denunciar publicamente o desperdício e a
incompetência do poder público nas suas mais diversas instâncias pelo Brasil.
O que tivemos no Brasil nessa semana
faz parte de um acontecimento histórico singular. Nunca tantos movimentos
organizados sem uma estrutura oficial levaram inúmeras pessoas para ruas ao
mesmo tempo (e nas mais diversas partes do País). Nem tiveram uma adesão
popular recorde num curto intervalo desde sua deflagração, o que fez com que sindicatos
e entidades estudantis constrangidos aderissem irrestritamente e imediatamente.
O que se vive com os protestos é uma
variável fundamental que impactará nas eleições de 2014. Algo que não pode ser
desprezado. Tentarei puxar um fio para que possa leva-lo à situação de um único
pré-candidato, considerando que sempre acompanhamos um analista encasulado
usando espaços preciosos como blogs (e até em jornais impressos) de forma
obsessiva, repetida ou sistemática para “bater” em Eduardo Campos, dando seu
“parecer” como se Eduardo não tivesse condições e nem merecesse disputar a
presidência da República. Se é uma “análise” geralmente vinda em textos
claramente escritos com muita pressa, que coloca argumentos vindos de como ele
quer que as coisas sejam sem nenhuma base de reflexão que traga uma
cientificidade mínima, também é do mesmo cidadão que anda choramingando por aí
que não encontra espaço na imprensa para colocar críticas contra Eduardo
Campos, se sentindo abafado, censurado, podado.
É preciso ter responsabilidade ao se
escrever um texto, pois o único que devemos satisfação nesse momento é o
leitor, que merece dados minimamente precisos. Um texto divulgado não merece
servir única e exclusivamente como criação de plateia usada para aplaudir e
encher a bola do autor. Nem sempre conseguimos atender a todos os requisitos
necessários para a produção do texto ou conseguimos suprir a maioria das
expectativas daqueles que nos lê. O que vale mesmo é o debate aprofundado e
sincero em cima do que escrevemos.
É preciso pelo menos tentar alcançar um
equilíbrio naquilo que tentamos passar aos que nos lêem, principalmente num
momento em que ainda não estão muito claras as nossas impressões, considerando
que vivenciamos os fatos na sua plena e conturbada ocorrência. Mas eu me
arrisco nesse momento a correlacionar tudo que vivenciamos com as reais
possibilidades de uma candidatura Eduardo Campos à presidência.
Se calcularmos que cerca de 5 ou 10
milhões de brasileiros e brasileiras (fiz um cálculo a partir dos informes que
recebi de todo o Brasil vindos dos próprios movimentos) ganharam os mais
diversos espaços públicos para protestar justamente pelo melhor oferecimento de
serviços públicos (transporte, educação, saúde, principalmente) e a melhor
aplicação dos recursos públicos, é real que 5% da população brasileira esteve
presencialmente num ato de profunda indignação contra o sistema político
brasileiro, mas que afeta diferencialmente mais uns do que outros no dia de
ontem (21/06/2013).
Se ainda consideramos que parcelas
significativas dos 95% que não estiveram ligados diretamente nos protestos
tiveram acesso às horas e horas da transmissão ao vivo pela Rede Globo ou redes
sociais mostrando a indignação por todo o País, o que se vê é que certamente
eles foram contemplados, assim mais uma vez afetando diferencialmente mais uns
do que outros que ocupam cargos públicos a frente de municípios, Estados e o
próprio governo federal.
O prefeito mais prejudicado nisso tudo
é sem dúvida alguma o Fernando Haddad (de São Paulo), que abaixou a passagem
depois de afirmar diversas vezes que não abaixaria de jeito algum. Que
realmente nem chegou a dialogar com os participantes dos protestos antes de dar
o seu “não”, tendo o seu “sim” referendado só quando o movimento se tornava
vitorioso nas ruas.
O governador mais prejudicado é o do
Rio de Janeiro, que mesmo tendo recuado no valor da passagem (em parceria com o
prefeito Eduardo Paes), também não está oferecendo nenhuma perspectiva da
melhoria do oferecimento da qualidade do serviço público (que é péssimo e caro
por lá), sem contar que a recente privatização do Maracanã (após os
investimentos vultosos do poder público) vai de desencontro ao que está sendo
reivindicado em todo o País. O governador só fez a já conhecida equação:
socializar os prejuízos com a população simultaneamente com o patrocínio da
apropriação privada dos lucros
A soma de toda essa indignação atinge
em cheio o governo federal, cuja mandatária não está correspondendo à imagem da
competente gestora público construída desde o governo Lula, da figura intransigente
com a corrupção que aparecia no início do atual mandato presidencial ou da
gestora firme para a contenção das despesas pública. A figura acuada da
Presidenta após a tríplice rajada de vaias na abertura da Copa das
Confederações mais uma vez foi percebida pela maioria absoluta dos brasileiros,
ainda.
Se em última instância o governo Dilma
(e do PT) herda toda a indignação dos protestos, no caso de Pernambuco não
existe grande associação direta dos temas reivindicados ao seu governo mesmo
após a ocupação de cem mil pessoas nas ruas de Recife.
A figura de Eduardo Campos está numa
zona de conforto extraordinária. Ele pode ser de situação e oposição quando lhe
convém, não sofre muitos arranhões nesse momento de comoção nacional, recicla
práticas da velha política transformando-as em algo novíssimi e ainda
capitaliza nisso tudo com a imagem do gestor que “entrega” com mais qualidade (e
com menos tempo) o que a população pernambucana aguarda.
No tema do momento Eduardo também possui
muito a seu favor. Se inicialmente o discurso do governo federal de quem iria
financiar a copa seria a iniciativa privada através de parcerias
público-privado, o que vimos é o financiamento público acima algumas vezes do
valor inicialmente traçado, com as benesses federais, seja através de
financiamentos de pai para filho para as empresas, seja através de recursos e
infra-estrutura para o luxuoso desfrute dos camarotes “especiais” para
autoridades e convidados. Algo que ainda só servirá até a entrega do troféu ao
time ganhador na final da Copa de 2014, ficando sem grande uso no dia seguinte.
Se o governador escolheu um local
relativamente longe (mas com inúmeras possibilidades de novas construções no
seu entorno) como São Lourenço da Mata para o estádio de Pernambuco (traçando
uma estratégia para que depois da Copa o estádio e seu entorno fosse utilizado
em parte para a Universidade de Pernambuco e empreendimentos imobiliários), já
mostra aí um diferencial que será muito capitalizado caso venha a ser candidato
a presidente da República, pois vai dar a impressão do financiamento privado
com ganho para o setor público, em suma, um negócio vantajoso para o Estado de
Pernambuco.
A privatização a rodo de Dilma em
aeroportos, rodovias e portos no segundo semestre de 2013 para elevar o
superávit primário vai gerar um clima de que para se ter um serviço que deveria
ser oferecido pelo poder público o cidadão tem que tirar do bolso para pagar.
Se quer andar numa rodovia com o mínimo de segurança, só pagando pedágio para
as concessionárias; se quer um atendimento melhor no serviço de saúde, só
pagando um bom plano de saúde; se quer ter mais conforto nos aeroportos, só
pagando taxas mais elevadas.
É incrível os investimentos privados
atraídos pelo governador de Pernambuco e a sua defesa na continuidade da
estatização do Porto de Suape, contribuindo para se passar a imagem de que ele
consegue o possível e o desejado: o privado deve entrar em áreas que
efetivamente possam produzir e não se aproveitar do público para se beneficiar
pura e simplesmente.
Na área econômica, com a inflação
descontrolada, o baixo crescimento econômico e a redução do nível de empregos,
o que se verá imediatamente é a queda das condições objetivas para uma disputa
com grandes possibilidades de vitória por parte da Presidenta Dilma, o que mais
uma vez beneficia o governador Eduardo Campos.
Com a possibilidade do governo Dilma entrar
em frangalhos nos próximos capítulos, o desembarque do governador Eduardo
Campos da aliança de sustentação oficial poderá até ser antecipado para que não
seja respingada essa situação ao seu nome, quando também antecipará a sucessão
presidencial ainda mais, alimentando a dificuldade de alianças em torno de
Dilma e patrocinando mais deserções na tão instável base aliada.
Por duas vezes Eduardo Campos aproveitou
as dificuldades do PT para cacifar candidaturas do seu PSB: a eleição para
governador de 2006 (quando ele próprio foi o candidato) e a eleição para a
Prefeitura do Recife em 2012 (com a candidatura de Geraldo Júlio). Em 2006 o
candidato do PT foi bombardeado pelo suposto envolvimento na chamada Máfia dos
Vampiros. Em 2012 rompeu a aliança com o PT e elegeu seu candidato após as
conturbadas prévias petistas.
Na terceira oportunidade que aparece no
horizonte de Eduardo Campos para se ter o PT como a variável importante para a
sua vitória mesmo que indiretamente, a situação atual lhe favorece. Quem aposta
nele?