quarta-feira, 28 de novembro de 2012

MATÉRIA: Arquivos comprovam a prisão do político Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos

FONTE: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/11/arquivos-comprovam-a-prisao-do-politico-rubens-paiva-desaparecido-ha-41-anos-3959069.html

Arquivos comprovam a prisão do político Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos

Material estava no acervo do coronel da reserva do Exército assassinado na Capital

Arquivos comprovam a prisão do político Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos Eduardo Simões/Especial
Papel comprova que ex-deputado federal esteve preso antes de sumir Foto: Eduardo Simões / Especial
 

Um dos papéis mais procurados de um período sombrio da história do Brasil, uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever datada de janeiro de 1971, está guardado em um cofre do Palácio da Polícia Civil, em Porto Alegre. O documento confirma o envolvimento direto do Exército em um dos maiores enigmas do país protagonizado pelas Forças Armadas, cuja verdade é desconhecida até hoje.
É, até então, a mais importante prova material de que o ex-deputado federal, engenheiro civil e empresário paulista Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos, vítima-símbolo dos anos de chumbo, esteve preso no Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro, um dos mais temidos aparelhos de tortura do país.
O corpo de Paiva nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964 a 1985). Durante quatro décadas, o documento fez parte do arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos. Gaúcho de São Borja, o coronel foi chefe do DOI-Codi do Rio, cerca de 10 anos depois do desaparecimento.
Em 1º de novembro deste ano, Molinas Dias foi assassinado quando chegava de carro a sua casa, no bairro Chácara das Pedras, na capital gaúcha. Seria uma tentativa de roubar o arsenal que o coronel colecionava (cerca de 20 armas) ou um assassinato por razões ainda desconhecidas — a polícia investiga o caso.
>>> Veja a reação dos filhos de Paiva ao saberem da existência de documento

Com a assinatura do ex-deputado

Em meio a um conjunto de papéis com o timbre do Ministério do Exército, parte deles com o carimbo "Reservado ou Confidencial", o documento referente à entrada de Rubens Paiva no DOI-Codi foi arrecadado pelo delegado da Polícia Civil Luís Fernando Martins de Oliveira, responsável pela investigação da morte do militar.
Zero Hora acompanhou a coleta e folheou parte dos papéis. O delegado evitou divulgar o conteúdo, mas afirmou que a documentação em nada compromete a trajetória profissional de Molinas Dias.
— Pelo que consta ali, já descartamos a hipótese de o coronel ter sido morto por vingança em razão da atividade no Exército — garantiu o delegado.
Sob o título "Turma de Recebimento", o ofício contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de documentos, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Na margem esquerda do documento, à caneta, consta uma assinatura, possivelmente de Paiva.

Promotor deve pedir documento

O termo de recebimento dos objetos é chancelado em 21 de janeiro de 1971 pelo então oficial de administração do DOI-Codi, cujo nome é ilegível no documento. É possível que seja o mesmo capitão que, em um pedaço de folha de caderno (também guardado por Molinas Dias), escreveu de próprio punho, em 4 de fevereiro de 1971, que foram retirados pela Seção de Recebimento "todos os documentos pertencentes ao carro" de Paiva que tinha sido levado para o DOI-Codi.
Em visita à 14ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre, na semana passada, integrantes da Comissão Nacional da Verdade — criada pelo governo federal para investigar crimes na ditadura — solicitaram uma cópia dos documentos, que deverá ser remetida a Brasília nos próximos dias.
O documento também interessa, e muito, ao promotor Otávio Bravo, que atua junto à Justiça Militar no Rio. No ano passado, ele reabriu a investigação do caso Rubens Paiva, após o Brasil ratificar em convenção internacional, o compromisso de apurar casos de desaparecimento forçado, como ocorreu com Paiva.
— Vou requisitar o documento. Não tenho conhecimento dele. Pode ser mais um indício para apurar a verdade e de que ele (Paiva) morreu no DOI-Codi — afirmou.
Segundo Bravo, até então, a informação mais contundente sobre a passagem de Paiva pelo DOI-Codi carioca se limita a relatos verbais, entre eles o de Maria Eliane Paiva, uma das filhas do ex-deputado.
Aos 15 anos, ela foi levada ao DOI-Codi para ser interrogada no dia seguinte à prisão do pai. Passadas quatro décadas, ao depor pela primeira vez sobre o caso perante o promotor, Eliane disse que ouviu de um soldado que Paiva foi morto após ser espancado no DOI-Codi.
— É a única prova que tenho de que ele foi para lá. O documento pode dar credibilidade aos depoimentos — diz Bravo.

Leia as informações presentes no ofício que confirma a prisão de Rubens Paiva no DOI-Codi no Rio:
MINISTÉRIO DO EXÉRCITO
PRIMEIRO EXÉRCITO
DOI
TURMA DE RECEBIMENTO
Nome: Rubens Beyrodt Paiva
Local: Encaminhado pelo QG-3
Data: 20.01.71
Equipe: CISAer
I - DOCUMENTOS PESSOAIS
Um cartão de identificação do contribuinte
Dois cartões de piloto privado
Um cartão do DINERS CLUB
Uma carteira nacional de habilitação
Uma carteira profissional do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
II - PERTENCES PESSOAIS
Um porta notas de couro preto
Quatro cadernos de anotações
Um chaveiro com cinco chaves
Uma fita de gravador
Um lenço branco
Uma gravata
Um cinto de couro preto
Um paletó
14 livros de diversos autores
uma observação manuscrita: dois cadernos de anotações encontram-se com o major Belham (devolvidos os cadernos)
III - MATERIAIS DIVERSOS
Não há
IV - Publicações
Não há
V -ARMAMENTO E MUNIÇÃO
Não há
VI - VALORES
Uma caneta esferográfica de metal branco
Uma caneta esferográfica branca e cinza
Um relógio de metal branco marca Movado
Uma peça de metal amarelo
VII - DINHEIRO
CR$ 260,00 (duzentos e sessenta cruzeiros)
Na margem esquerda, à caneta, consta uma assinatura, possivelmente de Rubens Rubens Beyrodt Paiva
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1971
Oficial de Administração do DOI

FILME: Pro Dia Nascer Feliz


DOCUMENTO: Discurso de Dimas Brasileiro nos 50 anos da Revista Estudos Universitários da UFPE, 23 nov. 2012









terça-feira, 27 de novembro de 2012

OPINIÃO: O número de lançamento da Revista na comemoração dos 50 anos e o avanço na histografia sobre sua própria origem (Por Otávio Luiz Machado)


O número de lançamento da Revista na comemoração dos 50  anos e o avanço na histografia sobre sua própria origem

* Otávio Luiz Machado


Após fazer uma leitura criteriosa de dois números da Revista Estudos Universitários, o da refundação publicado em 2009, e o atual, que consta como v.29, n. 10, de outubro de 2012 e lançado ao público no dia 23 de novembro de 2012, o que mais gostaria de localizar nessa nova fase da Revista seria o embate intelectual não somente entre os grupos conservadores com àqueles que estavam mais sintonizados com a mudança social e a transformação da mentalidade cultural, mas as diferenças também no próprio campo que esses últimos se encontravam.
Passou a ser lugar-comum a bipolaridade entre direita e esquerda e entre conservadores e progressistas, cuja miopia dos que fizeram ou apoiaram o golpe civil-militar de 1964 tratou logo de colocar os que se opunham ao seu movimento “democrático” como “comunistas” –  é bom dizer que isso já vinha bem antes do golpe e só foi reforçado –, passando a utilizar mais adiante termos como “terroristas” e outros termos na linguagem universalizada e propugnada pela ideologia da segurança nacional e sua longa lista de “instituições”  que tentavam dar legitimidade ao seu ideário.
O primeiro número não apontou sistemática e pontualmente a posição da Revista Estudos Universitários – e o Serviço de Extensão Cultural (SEC) da então Universidade do Recife (UR) – na sua autenticidade e na posição crítica que assumia com um outro movimento que também envolvia intelectuais na temática que ambos trabalhavam ao mesmo tempo, como é o campo educacional e, em especial, o chamado Movimento de Cultura Popular (MCP).
É importante frisar que sei das limitações editorais da Revista, que não terá condições de fazer um balanço de toda a sua trajetória dentro da própria Revista em um ou dois números, mas ao longo de vários, pois o espaço também deve ser destinado a tantos outros temas.
Eis que o atual número da Revista  finalmente começou a trazer tal discussão de uma maneira mais incisiva, principalmente nos textos de memórias dos participantes da fase inicial da revista, embora mais uma vez com exceção de Luiz Costa Lima, que curiosamente não tem sido questionado a esse respeito e assim não teve a oportunidade de tratar do mesmo.
A unanimidade no debate do pessoal do SEC com o mundo intelectual recifense daquele período certamente é em relação à contraposição com Gilberto Freyre, que não só não abria espaço para intelectuais que discordava de suas ideias, mas os combatia das maneiras menos elegantes e utilizando-se de todo e qualquer expediente não no sentido de defender suas ideias, mas de aniquilar pessoal e intelectualmente quem discordasse de si e não comungasse de sua cartilha conservadora e reacionária.
No caso do MCP, que consideramos que estava no mesmo campo político, com o mesmo viés inovador e num nível de debate intelectual  salutar com os membros do SEC, o conjunto de discordâncias também eram enormes se comparamos com as que tinham a Gilberto Freyre, que estavam mais na questão de formato, de posição intelectual  e de espaços de intervenção.
Nesse sentido a entrevista que fiz com Luiz Costa Lima em 2005 é de grande importância, porque ele traz os detalhes desse nível de divergência intelectual entre os membros do SEC e do MCP. Mas antes de me deter naquilo que obtive especialmente para uma pesquisa sobre o movimento estudantil recifense, gostaria de tratar do que foi trazido no novo número da Revista Estudos sobre tal questão.
O Artigo “Sonho, pesadelo e retomada”, que foi assinado por Juracy Andrade,  é o inicialmente  vai a um ponto fundamental no que estou analisando:
“Devido a divergências pedagógicas com Germano Coelho, que dirigia o MCP, Paulo Freire se afastou do movimento e criou o SEC, a convite do reitor João Alfredo. Ali teve oportunidade e apoio para aperfeiçoar e aplicar seu método revolucionário de alfabetização a partir de palavras geradoras e também para estruturar o mais amplo e abrangente Sistema Paulo Freire  de Educação” (p. 172).

O artigo de Juracy também levanta uma questão fundamental. Que o SEC e o MCP convergiam na neutralização do prestígio do então considerado por muitos como o maior intelectual da terra, Gilberto Freyre:

“Como Celso Furtado disse, numa conversa com Paulo Freire de que participei (objetivo: falar a ele sobre o SEC), o Nordeste já se referia diretamente à Europa. Personalidades e políticos vinham aqui ver o que estava acontecendo, sem pagar pedágio no Rio ou São Paulo. E aqui chegando, não iam beijar a mão de Gilberto Freyre, como acontecia tradicionalmente, procuravam o superintendente da Sudene Celso Furtado, Paulo freire, o governador Miguel Arraes, o prefeito Pelópidas Silveira, Paulo Rosas” (p. 172-173).

O texto de Roberto Motta intitulado “Jomard, Luís, Gilberto, Paulo Et al.: fragmentos da memória”, que vem de seus cadernos de diários e memórias e foi delicadamente adaptado para a ocasião, talvez veio na hora certa pelo menos para aquilo que tento problematizar no texto, que é a contraposição intelectual no mesmo campo político do qual o SEC fazia parte juntamente com o MCP.
E não é que me surpreendo ao fazer a leitura, pois Mauro inicialmente começa a tacar fogo em cima de Gilberto Freyre antes de alinhavar sua análise em cima do MCP, que pela ordem do seu diário, foi escrito em maio de 1999:

“Criou-se o Movimento de Cultura Popular. Não, leitor querido, eu não vou de modo algum contar a história desse movimento. Eu me sentia estranho e receoso diante do MCP. Primeiro, porque eu dele não participava, nem a ele fazia falta. Segundo, porque aquele movimento, com slogans como “no Recife cultura é movimento popular”, parecia condenar toda a ideia  de cultura com que eu me identificava. Entre  outras coisas, essa concepção compreendia o gosto pela música clássica, que eu ia muitas vezes escutar na discoteca do Departamento de Documentação e Cultura (DDC), imediatamente abolida em proveito de outras iniciativas do MCP” (p. 188).

É interessante relembrar no texto de Mauro Motta que no concurso para catedrático de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade do Recife, Paulo Freire perdeu a vaga para a Professora Maria do Carmo Miranda, que anos depois estaria no gabinete do Reitor João Alfredo em reunião com Luiz Costa Lima defendendo a exclusão dele da Revista Estudos Universitários por causa de um desaforo à figura de Gilberto Freyre. A grande questão é se ela estava ali a serviço de Freyre, que nas palavras de Roberto Motta sobre ele deixa inquestionável que ele “não suportava nenhuma glória que dele não derivasse” (p. 192).

“Sobre o MCP, o leitor se interessar pode perfeitamente ler as teses e os livros que possam já existir, ou virem a existir. Mas penso que seria melhor ler os jornais da época, dia a dia. Eu aqui estou  quase exclusivamente confiando em minha memória. Agora, eu vou mexer numa casa de marimbondos, que é o relacionamento entre, de um lado, Paulo Freire, o SEC por ele dirigido, e sua brilhante equipe e, do outro, o MCP. Eu não vou agora reler a tese de concurso de Paulo Freire, Educação e Realidade Nacional, mas sei   que seu ideário apresentava afinidades com  o do MCP (...) O ideário de P.F. apresentava, sim, afinidades com o do MCP. É verdade e não me desdigo. Mas, leitura feita, fico achando que são menores do que eu pensava”  (p. 189-190)

Não vou entrar nos conceitos que Mauro Motta traz em seguida, pois embora a questão educacional suscitasse um bom debate de concepções que o SEC ou o MCP apresentavam, o fato é que a questão do intelectual e sua posição passa ser mais interessante para os objetivos deste texto..
O fato é que as divergências sobre a atuação do intelectual e o seu papel no aumento da consciência crítica da população oriunda de grupos desprivilegiados mantinham MCP e SEC em campos opostos, conforme nos aduz o depoimento de Luiz Costa Lima que realizei e estou republicando novamente em livro:

“O amigo – um dos raros que se manteve depois do golpe - Jomard Muniz de Britto, em texto publicado no livro de Osmar Fávero intitulado “Cultura popular, educação popular, memórias dos anos 60” (Edições Graal, 1983), refere-se às divergências entre o SEC e o MCP. Seu entendimento é absolutamente certo. Divergíamos quanto à concepção do intelectual. Para o MCP, assim como para o CPC da UNE, o intelectual era tido como guia das massas. Embora essa concepção seja entre nós tão velha quanto o positivismo do século XIX, sem dúvida sua base era a política cultural stalinista. (Lembro-me, por contraste, dos textos de Trotski, que, embora longe estivesse de ser especialista em literatura, tinha a capacidade de intuir em um romance difícil e politicamente ambíguo como o Voyage au bout de la nuit, de Céline, um anarquismo difuso que poderia se encaminhar para um lado ou outro, e que terminaria, depois de Trotski morto, no fascismo que se conhece). Como eu tinha aprendido, por meus anos na Espanha franquista, o que significava o dirigismo cultural e como pouco se distinguia do fascismo, participei de uma linha de resistência ao dirigismo oba-oba tanto do MCP, quanto do CPC da UNE. Talvez encontrem-se ecos dessa posição nos artigos que eu escrevia para Última Hora – jornal que, se bem me lembro, foi empastelado nos primeiros dias do golpe. Mais difícil será encontrar os artigos que Sebastião Uchoa Leite escrevia para serem lidos na Rádio Universitária. Terão sido seus arquivos preservados?”

A ação efetiva do trabalho do MCP e do SEC  e duas discordâncias ganhavam contornos mais ou menos fortes dependendo da área a qual nos referimos, como é o caso do teatro:

“Dada a importância política que tinha o Recife de então, seria proveitosa uma pesquisa nos jornais da época e, se sobreviveram, nas gravações da Rádio. Tal pesquisa seria ainda útil para se perceber o tom de vingança eufórica então assumido pelos vitoriosos. O fato é que nossa discordância com o MCP se concretizava fundamentalmente nas propostas para o teatro. Lembro-me que, um pouco antes do golpe, constituíamos um grupo para ler e discutir peças de teatro, de que fazia parte José Wilker, depois um famoso ator. Só alguns anos depois, formulei o que me aproximara da iniciativa de Paulo e o que, embora toscamente, procurei desenvolver com a revista Estudos Universitários, em um ensaio intitulado “O Sistema intelectual brasileiro”, que publiquei em Dispersa demanda”.

Também as leituras do pessoal do SEC distinguia enormemente do que o pessoal do MCP lia, que eram muito voltada aos autores franceses, cuja visão de mundo e constructo intelectual trazem lá significativas formas de ver, de pensar e de atuar no mundo:

“Que autores mais líamos? De Lukács lembro bem que sabíamos distinguir o primeiro Lukács, o da Teoria do romance e de um ensaio precioso, nunca traduzido para o português, A Alma e as formas, do Lukács, “convertido”, verdadeiro "cristão novo", que era o que mais se lia no Brasil. Lukács, Lucien Goldmann e um certo Walter Benjamin, aos quais fomos introduzidos por sua primeira tradução para o francês por um suíço que viveu pelo menos um ano no Recife, Pierre Furter. (Há na revista Estudos Universitários, um artigo dele muito bom - lamentavelmente, cheio de erros gráficos, que dá uma idéia bastante nítida do que nos separava da posição do MCP e do CPC). Acrescento ainda: essa divergência nos tinha aproximado de Haroldo de Campos. Mas este foi um contato que permaneceu apenas comigo. Não creio que conhecêssemos Gramsci. Sartre, sim, era leitura geral. Mas a fundamentação para a divergência contra o dirigismo ao menos eu o encontrava melhor nos livros de ensaios de Merleau-Ponty e no sociólogo norte-americano Wright Mills”.

         A ação empreendida pelos dois grupos já por si só indicava uma diferenciação que tomava não só a obra do grupo, mas a institucionalização de todo um trabalho a partir da Universidade do Recife (UR), consideração que o debate sobre educação, emancipação social, desenvolvimento, democracia, realidade nacional e tantas outras noções estavam prontamente articuladas nos projetos que cada um deles carregava:

“No texto acima citado, Jomard, criticou o Livro de Leituras para Adultos do MCP, por ter "frases tão óbvias e assustadoras". Embora tenha uma idéia muita vaga do livro, lembro um episódio que bem assinala por que o Livro de leituras assim nos parecia. Depois de encenada uma peça do MCP em um morro do Recife, levantou-se um senhor e perguntou algo como se estavam querendo lhe ensinar a ser pedreiro; e ele acrescentava que nisso era ele que podia ensinar aos atores... Mas isso não podia ser aprendido pela “esquerda didática”, isto é, aquela que acreditava que os intelectuais deviam saber de antemão o que o povo deveria repetir. Diga-se de passagem: se a “esquerda didática” desapareceu, em troca, os agentes mediáticos e os autores que escrevem livros de olho em sua vendagem os substituíram com muito maior eficácia. Algo de semelhante ao aumento de eficiência do sistema carcerário da ditadura”.

Luiz Costa Lima tenta repensar o papel da revista e o contributo dos intelectuais que a faziam:

“Se me pergunto, a propósito da revista que secretariava, se ela representava seu papel de propor o intelectual como formulador de perguntas novas, deveria dizer apenas que ela o tentava, e bem toscamente. Isto é, sem o golpe iniciativas daquele tipo seriam obrigadas a amadurecer. Do contrário, rapidamente estariam sincronizadas com nosso sistema intelectual, adorador de diluições e formulações vagas. Isso digo para que não se mitifique o que fazíamos. O que fazíamos era apenas uma tentativa contra a retórica burocrática ou o tom lírico-conservador perpetuado por Gilberto Freyre. Longe entretanto estávamos de realizar algo de duradouro.  Essa rebelião tosca contudo era bastante para que a grande maioria dos intelectuais da terra não tivesse contato com o SEC. Havia poucas exceções”.

         O relato de Costa Lima também não deixa dúvida quanto ao experimentalismo ou empirismo naquilo que faziam, pois pela idade e a situação que viviam (deslocados) nem sempre era possível absorver e propor interferências intelectuais a partir do SEC diante de um terreno árido ou em construção:

“Na última discussão de que participei na Escola de Engenharia, alguém me perguntava se estava propondo uma terceira via – nem o capitalismo, nem o socialismo stalinista. Não sei o que respondi. Mas provavelmente a pergunta apontava para o rumo certo, pois então um autor que eu lia muito era o sociólogo Wright Mills. O decisivo estava na formulação da pergunta e, como prova de que estávamos aquém do que nos propúnhamos, que eu, nem ninguém de meu conhecimento, soubesse que terceira via seria essa. Éramos guiados apenas por nossa indignação com a desigualdade do país. Daí a tentação do voluntarismo. Ela conduziria, nos primeiros dias do golpe, quando ainda se achava que era possível haver resistência, a situações em que, não fosse a sorte, poderia ter sido morto. Não tendo sido trágicas, recordo-as como cômicas. Elas não merecem ser escritas”.


         Esses vieses acerca da constituição de um discurso sobre o papel do intelectual e a construção de um projeto para a sociedade brasileira que passasse pela inclusão de camadas historicamente excluídas socialmente e culturalmente certamente ajudam a compreender a ação política, intelectual ou acadêmica daqueles personagens no início dos anos 1960 um pouco mais adiante, embora a ditadura civil-militar fizesse com que muitas carreiras fossem modificadas e tantos rumos tivessem sido alterados de sua rota pretendida.

*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

OPINIÃO: Comunidade do Bom Jesus: não esqueceremos (Por Pedro Brandão)

Comunidade do Bom Jesus: não esqueceremos (Por Pedro Brandão)

Semana passada estive, como advogado dos moradores da Comunidade Bom Jesus e do Coletivo de Lutas Comunitárias, em reunião com a Prefeitura da Cidade do Recife. O Povo ocupou a sede do Poder Execu
tivo, na manhã da quarta-feira, exigindo o auxílio-moradia prometido pela Prefeitura (Neste episódio, mais uma vez, ficaram confinados no hall da entrada, rodeados por um cinturão de guardas municipais, porque prédio PÚBLICO não é local do Povo, claro). 

A história: Em 23 de maio do presente ano, 36 famílias da Comunidade do Bom Jesus foram despejadas do seu local de moradia. Não houve ação judicial, nem sequer a prévia informação aos moradores de que eles deveriam sair daquele local (porque – supostamente – era um local público).

O método: O mais brutal e insensível possível, com o Choque e a PM/PE com o pé na porta dos moradores, às 5 horas da manhã, além de tratores e trabalhadores derrubando os barracos. Mas não foi só isso. A Prefeitura da Cidade do Recife sequer disponibilizou abrigos, auxílio-moradia ou inclusão na lista de habitacionais para aquelas pessoas. Famílias, crianças e idosos foram jogados a própria sorte.

A resistência: Toda aquela violência perpetrada pelo Estado não poderia passar impune. Os moradores se organizaram. Ocuparam a Câmara dos Vereadores, e, em seguida a Prefeitura. Depois de muita luta e persistência foi estabelecido um acordo: disponibilização de abrigo temporário para as famílias; concessão de auxílio-moradia e inclusão em lista de habitacionais. 


E depois? Das trinta e seis famílias despejadas, apenas três foram incluídas em projetos habitacionais; outras 33 esperam até hoje o auxílio-moradia e a inclusão em projeto de habitacionais. E é por isso que eles estavam ali semana passada, porque a Prefeitura se recusa a cumprir o acordo, apresentando várias “justificativas”, todas injustificáveis.

Conclusão: É essa é a mesma Prefeitura que financiou, no valor de R$ 200 mil reais, o “Shopping Day”, evento realizado para patrocinar grandes marcas de roupa de nossa cidade e para suprir os sonhos de consumo da "high society" pernambucana.

Falta dinheiro para efetivação do Direito Constitucional à moradia e sobra para grandes eventos relacionados à moda e ao consumo. É essa a prioridade. Mas o Povo do Bom Jesus já deu o seu recado. Não desistira e lutará por seus Direitos.

OPINIÃO: E lá se foi o Bom Jesus... (Por Francisco Barros)




*Na oportunidade, convidamos os nossos colegas a se fazerem presentes na ocupação da Prefeitura do Recife pelos desabrigados da comunidade do Bom Jesus. Qualquer ajuda será bem vinda! Alimentos, produtos de higiene pessoal e, sobretudo, roupas! Contamos com a solidariedade de todos!

Por Francisco Barros
Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito do Recife

E lá se foi o Bom Jesus...

Na madrugada de 23 de maio de 2012, a Prefeitura do Recife, juntamente com a Polícia Militar, procedeu à desocupação da área próxima ao Túnel de Boa Viagem, desalojando cerca de cinquenta famílias que viviam no local, na chamada Comunidade do Bom Jesus. A operação se realizou antes do nascer do dia, com a explícita finalidade de surpreender os moradores e diminuir a possibilidade de resistência e de articulação. 

Em termos jurídicos, a prefeitura se amparou em precedentes que permitem ao Município reaver imóveis públicos, quando irregularmente ocupados, sem a necessidade de prévia decisão judicial. Segundo esta tese, quem ocupa irregularmente um bem público não adquire a sua posse, logo, não possui o direito de permanecer no local.

Entretanto, o argumento – e mais ainda a sua aplicação ao caso concreto – peca pelo simplismo. Há outros valores em jogo.

Em primeiro lugar, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, expressamente garante a inviolabilidade do domicílio. Vale dizer: proíbe a qualquer um – agente público ou não – de entrar na moradia alheia, sem autorização do morador, salvo em situações de flagrante delito ou, durante o dia, mediante ordem judicial. Logo, seria no mínimo estranho que se proibisse a entrada no domicílio, mas – sem qualquer ordem judicial – se permitisse a sua demolição. Entrar não pode; demolir pelo lado de fora, sim (?!).

Talvez por não confiar nos seus intérpretes, a Constituição foi além e, na reforma de 2000, incluiu expressamente, dentro dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, o direito social à moradia. Fundamental dizer, caro leitor, que a palavra “fundamental” deve ser repetida várias vezes, até que se compreenda o seu sentido.

No mais, o fato de se permitir ao Poder Público, em regra, agir sem prévia ordem judicial não significa que possa fazê-lo de qualquer modo. Para todo agir estatal há um procedimento adequado, sob o denominador comum do “devido processo legal”. É necessário que o Poder Público escute os interessados, antes de decidir e de agir. 

Obviamente há exceções: ninguém imagina, por exemplo, que a Vigilância Sanitária tenha que avisar aos estabelecimentos que pretende comparecer em dia e hora marcados. No caso concreto, entretanto, nada justifica a exceção. Não há notícias – ao menos na grande mídia – de qualquer tentativa anterior de conciliação, de nenhuma tentativa de se evitar o trauma a que foram submetidas as famílias, que há vários meses ocupavam o local. 

Mesmo na legítima defesa, quando se permite a alguém agredir seu oponente, para proteger a própria integridade, exige-se a moderação dos meios empregados. Do mesmo modo, na atuação estatal, como afirma a Corte Européia de Direitos Humanos, deve-se ter em mente o ser humano: se a atividade do Poder Público não pode ser exercida sem provocar danos aos cidadãos, devem ser adotados todos os esforços possíveis para minimizar essas perdas. Não como favor concedido pelo Estado, mas como limitação à sua própria atividade. 

Por fim, discussão jurídica alguma pode dar as costas à dimensão ética. A Constituição, novamente esta jovem senhora de vinte e três anos, infelizmente ainda uma ilustre desconhecida nas salas do Poder, incluiu a moralidade entre os princípios gerais da Administração Pública. Como consequência, a conduta lícita não depende apenas do respeito aos textos aprovados pelo legislador ou aos precedentes dos tribunais, mas também exige a obediência aos padrões de moralidade. 

A Prefeitura, enfim, organizou um ataque rápido e de surpresa, com o intuito de evitar que os ocupantes tivessem tempo de se organizar. Qualquer semelhança com o Blitzkrieg (“ataque relâmpago”), aperfeiçoado pelo exército alemão na Segunda Guerra Mundial, não é mera coincidência. A questão que surge é: quem responderá pelos atos praticados? Foi-se o Bom Jesus, e levou consigo o respeito à Constituição e à cidadania.

OPINIÃO: A LADROAGEM NA AGU E NO GABINETE PRESIDENCIAL: ENTRE SEM BATER, O NEGÓCIO FICA AO LADO (Por Otávio Luiz Machado)



A LADROAGEM NA AGU E NO GABINETE PRESIDENCIAL: ENTRE SEM BATER, O NEGÓCIO  FICA AO LADO
Por Otávio Luiz Machado*

Quem não se surpreendia com mais nada quando a Polícia Federal faz suas operações fantásticas, no caso da operação Porto Seguro o buraco mostrou que era mais em baixo, sendo mais preciso, que era justamente do lado de pessoas que se encontra num dos cargos de enorme poder e responsabilidade: o advogado-geral da União e a própria presidenta da República. 



Aqui estamos não falando só de pessoas próximas, mas de pessoas que tinham acesso ao que ambos decidiam, faziam e agiam no dia-a-dia, porque entre os envolvidos num esquema de corrupção apara beneficiar empresários estava o próprio advogado-geral da União Adjunto e a chefe de gabinete da presidenta Dilma no escritório da Presidência de São Paulo.
A presidenta Dilma parece que tem um problema com pessoas próximas que se envolve com corrupção, como foi o caso da Senhora Erenice Guerra na Casa Civil. Agora aparece uma outra que de tão próxima uma podia ouvir a tosse da outra nas respectivas salas que dividiam.
No caso da AGU é muito mais grave, porque o adjunto desempenha quase as mesmas funções do titular, inclusive assume as funções do mesmo na sua ausência.
Como aliciadores de funcionários públicos, os principais envolvidos devem ter feito muito mais que a própria investigação alcançou, inclusive com ações muito anteriores ao início da operação da Polícia Federal, que precisam ser resgatdas a aprofundadas.
A operação abafa no eixo Brasília-SP deve estar a todo vapor, sendo nessa hora o momento da Polícia Federal ficar atenta para pegar muito mais gente. O advogado-geral da União precisa ser também exonerado, pois deveria saber quem estava trabalhando com ele, o que gera a desconfiança se ele sabia ou não.
No meio do mandato com um escândalo desses na presidência da República, a presidenta se enfraquece pois, além do escândalo do “mensalão” respingando em si cada dia mais no seu governo, também existe a insatisfação dos prefeitos com a perda de arrecadação advinda das isenções fiscais e dos governadores de Estados produtores de petróleos que são contra a repartição dos royalties com os demais Estados.
Como se sabe historicamente, a briga por recursos e poder e os escândalos por corrupção conseguem desestabilizar qualquer governo, principalmente os que são costurados por linhas que podem se arrebentar a qualquer aperto maior que aparecer. O que acontece no momento é só um indicativo do que poderá ocorrer mais adiante, mas ainda é cedo para avaliar o impacto nas próximas eleições. 


*É educador, pesquisador, escritor e documentarista.