segunda-feira, 29 de outubro de 2012

OPINIÃO: Os movimentos estudantis em Pernambuco: entre o “velho” o “novo” (Por Otávio Luiz Machado)




Os movimentos estudantis em Pernambuco: entre o “velho” o “novo”
Otávio Luiz Machado*

Eu inicialmente ia escrever apenas sobre as eleições do DCE da UNICAP na semana passada, inclusive resgatando um pouco a história do Comando de Caças aos Comunistas (CCC) naquela instituição, os episódios como a prisão do jornalista Ricardo Noblat lá dentro pelo Major Ferreira ou a destruição com tratores passando por cima das sedes de entidades estudantis em pleno recrudescimento da ditadura civil-militar. Queria mostrar essa simbologia de tornar algo concreto que aconteceu - a demolição das entidades – com o objetivo ditatorial de transformar os movimentos estudantis literalmente em cinzas, em escombros, em área livre de qualquer manifestação. Mas mudei, porque é fundamental tratar dos movimentos estudantis hoje
É fato que os movimentos estudantis possuem lá sua particularidade. Os registros que estão sendo deixados para a história dos movimentos estudantis em Pernambuco apontam fatos, dados e nomes que seguem duas orientações distintas nas entidades estudantis (que são uma representação externa segundo a hierarquia das instituições de ensino).
Já pude discutir os movimentos juvenis na contemporaneidade com colegas de Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos em atividade fora do País. Ainda é um tema desafiador para qualquer estudioso do tema, porque tratamos de fenômenos sociais cuja dinâmica interna é muito rica, plural ou multifacetada, o que nos levou a tratar esse clássico movimento juvenil (que um dia foi hegemônico) no universo dos jovens como movimentos estudantis.
Mas é possível categorizá-los quando nos detemos especificamente nas entidades. Estão divididos entre o movimento burocratizado e cartorial que são fechados em entidades estudantis que cuidam exclusivamente dos “interesses” dos seus representados, como venda de carteirinhas, liberação de ônibus pagos pelas universidade para “todos” (a maior parte das vagas reservadas para os mais chegados) e para qualquer “evento”, sem contar a busca de patrocínios para as constantes festas. Tem universidade por aí que paga aluguel de som, toda a divulgação, a impressão de materiais, cachê de grupos e artistas (geralmente seus amigos), libera os espaços da universidade para promover uma atividade geral, mas os lucros com a venda de bebidas e outras coisas mais é dividido em partes iguais entre os organizadores. A prestação de contas não é feita para o conjunto dos estudantes, mas só entre os organizadores que usam critérios pessoais para “distribuir” os lucros, geralmente novas festas – dessa vez fechadas – ou pequenos mimos pelo esforço dos mesmos naquilo que produziram. É o público financiando o privado.
Mas também temos um movimento estudantil realmente conectado com as demandas gerais dos estudantes, que tornam as entidades apenas um ponto de partida e não o fim fechado nelas, pois mesclam as pautas gerais e específicas de forma primorosa e em constante diálogo com o conjunto de movimentos sociais, culturais e políticos do Estado. Elas são necessariamente feitas por entidades descentralizadas, que se somam a coletivos que são verdadeiras associações autônomas com enorme poder de influência e decisão que conseguem mobilizar e pautar os desafios do conjunto dos estudantes, como a questão dos preconceitos, das opressões, a cultura e a arte, da liberdade de expressão, o tabu das drogas, a situação dos estudantes oriundos de grupos desprivilegiados, etc.
O que estamos vendo na eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) vai nessa segunda direção, pois reúne uma galera nova e diferenciada, que pôde ser vista participando e tomando frente nos principais protestos públicos no Estado nos últimos tempos, nos atos em conjunto dos principais temas que afligem as juventudes e na formação política constante para os desafios que crescem a cada dia.
Um movimento de retomada do movimento estudantil brasileiro semelhante a isso só tivemos nas ocupações de reitorias da USP e da UnB tempos atrás, porque a organização forte dos estudantes permitiu quebrar estruturas antigas dos movimentos estudantis burocratizados que engessavam a movimentação de um conjunto maior de nomes em tudo que ocorria nessas universidades. Eram sempre os mesmos grupos, as mesmas pessoas e os mesmos títulos, que tentavam se passar por falsas renovações ou por inscrição de outros nomes para se diferenciarem, embora a mesma estrutura de poder, as mesmas práticas para se ganhar as eleições e a mesma falta de retorno para os estudantes.
As eleições do DCE da UNICAP, que aconteceram nos dias 25 e 26 de outubro de 2012, foram marcadas pela volta da normalidade democrática na disputa. Dessa vez não houve roubo de urnas, nem eleições pela metade que deslegitimavam o DCE e muito menos abuso do poder econômico, pois foram eleições de estudantes para os estudantes da UNICAP.
A comissão eleitoral foi a seguinte: Sergio Ferro (D.A. de Psicologia), Flávia Milena Guerra Laranjeira (D.A. de Matemática), Adriano Matsui Lopes de Araujo (D.A de Engenharia Química), Michael Lucena (D.A. de Gestão Portuária) e Eduardo Pitt (D.A. de Direito Fernando Santa Cruz).
As duas chapas que concorreram foram: Construção Coletiva e Viração. A primeira englobou movimentos importantes, como o Muda Direito, o Grito Estudantil, o Movimento Pra Fazer Diferente, a Correnteza, com a representação ou mesmo apoios nos mais diversos diretórios acadêmicos, dentro e fora da Unicap. A segunda foi representada por diversos nomes da juventude do PT, com o apoio de vários nomes que fazem parte de coletivos ou grupos estudantis.
O slogan da Construção Coletiva é “quem não se movimenta não sente as correntes que @ prendem”, com propostas de reconstruir um DCE – já que era uma chapa de oposição – com participação coletiva, melhorar o acesso e ampliar a biblioteca, realizar o encontro dos Prounistas, ampliar o número de bolsas, construir canais de divulgação do DCE com os estudantes e a sociedade (Blog, jornal, Rádio Poste, etc), fortalecer as licenciaturas, barrar o aumento das mensalidades e das taxas administrativas, etc. O slogan da Viração foi “o pavão sabe, é hora de Viração”, trazendo como propostas a criação de uma empresa Jr estudantil, uma ouvidoria estudantil, uma incubadora de projetos, uma creche universitária e tantas outras.
Nos dias da eleição deu para perceber que o assunto DCE “mexeu” com os estudantes, que entenderam o quanto ele é importante para os estudantes, embora essa sigla DCE estivesse um tanto quanto desacreditada por lá.
Os estudantes deram mais um voto de confiança ao DCE, principalmente porque anseiam que a entidade de fato respeite os estudantes, pois quando ele é sério presta um serviço ao conjunto da universidade, passa a ser uma força ativa, uma voz que é ouvida e um mecanismo de mudança no cotidiano da instituição.
Pude também ouvir as duas plenárias dos grupos que disputou as eleições ali mesmo em frente à sede do DCE. A Viração apostou que “a grande vitória a gente alcançou”, que foi contribuir para o ressurgimento de seu grupo na Unicap com novas lideranças, embora a meã-culpa quanto aos limites das disputas que engessaram a atuação estudantil maior por ali, ao considerar o quanto é fundamental “parar com a disputa pelo poder e unificar o movimento estudantil”. Outra autocrítica foi em relação ao distanciamento das bases (o conjunto dos estudantes da universidade), inclusive que foi um erro do grupo que ficou por 14 anos com sua participação, nesse caso a sempre cabeça de chapa pela União da Juventude Comunista (UJS) do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
A plenária da Construção Coletiva apontou que o grupo tinha a devida noção que é preciso discutir os “problemas reais da universidade”, que é preciso “construir uma relação muito harmoniosa com os estudantes”, que nesse processo eleitoral “formou muita gente” e foi grande a “confiança depositada na urna” pelo conjunto dos estudantes, sem contar que o “processo de disputa foi muito saudável”. A Construção Coletiva sabe que encontram uma entidade “paralisada”, que é preciso acabar com o oportunismo de grupos ou pessoas que encontram no DCE como uma entidade só para produzir carteirinha e chegar no estudante nesse momento, bem como é necessário transformar um processo que começou a cerca de um ano atrás quando se começou o diálogo para reativar o DCE.
O sentimento das pessoas que falaram nessa plenária é que o processo “foi uma coisa de dentro da Unicap para os estudantes da Unicap”, que “apesar dessa estafa eu me sinto muito orgulhoso, como resumiu um dos estudantes, o que só demonstra o nível de consciência política dos membros dessa chapa, cuja esperança pode ser resumida na fala de um (a) dos (as) estudantes: “que o sangue que dei seja muito válido”.
Enquanto os estudantes da UNICAP reabrem o seu DCE, o da UFRPE continua firme na luta e o da UPE vai caminhando para atender o conjunto dos estudantes, o da UFPE vive numa eterna “comissão gestora”, que não permite aos estudantes da instituição ter o direito de renovar a cada ano seus dirigentes porque a vitaliciedade dos membros não acaba. Isso abre espaço para a instrumentalização do “cargo” em benefício próprio, o personalismo que constrói lideranças que nem discursar direito sabem que acabam sendo o que os estudantes terão de engolir sem prazo de validade e sem ter o direito de ter acesso às prestações de contas e ao que elas andam fazendo em seu nome. Já passou a hora das eleições, é o momento de tomar esse processo para que os estudantes não continuem perdendo ainda mais enquanto um ou outro se beneficia dessa “desorganização” para lucrar.
Sem uma entidade estudantil em atividade, o que se vai continuar percebendo nas universidades públicas é o aparelhamento sem tamanho para beneficiar uns poucos. Até representação estudantil foi para o exterior para atividade política-estudantil com dinheiro público em nome do conjunto dos estudantes sem esse conjunto tomar conhecimento algum , como já tivemos conhecimento. Uma hora isso aparece.
A piora das condições de permanência dos estudantes e a degradação dos espaços públicos está relacionada à falta de uma representação dos estudantes por inteiro, que seja sem remendos, sem improvisações desastrosas e sem demagogia. Enquanto o DCE da UFPE continuar nessas condições os estudantes vão ter o que merecem: muitas migalhas, muitos privilégios para poucos e muita enganação.

 *É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

OPINIÃO: OS DONS DA COMISSÃO DA VERDADE DE PERNAMBUCO (Por Otávio Luiz Machado)



                   OS DONS DA COMISSÃO DA VERDADE DE PERNAMBUCO
Otávio Luiz Machado*
         Ao falar da Comissão da Verdade de Pernambuco podemos falar de vários “dons”, que utilizamos aqui no sentido da dádiva, da retribuição. O Dom Helder que dá o nome à Comissão é uma dessas dádivas, porque foi um dos artífices mais completos na resistência à ditadura civil-militar de 1964: foi combatente e combatido, reagiu à violência com paz e sabedoria e semeou o universo  onde as coisas era tratada, com armas, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos, ora com sua palavra, ora com o seu silêncio ao qual foi obrigado a manter num determinado tempo, que queiramos ou não, Dom tinha uma força extraordinária de transformar o seu silêncio forçado algo contra a própria ditadura.
         Na sessão dedicada ao caso da morte de Odijas Carvalho (estudante da UFRPE e militante político que lutava contra a ditadura civil-militar) no dia 18 de outubro de 2012 passei a perceber que alguns dons se sobressaiam, que na minha visão estavam adormecidos até então. O primeiro foi o de ouvir as pessoas frente a frente, o que foi possível numa simples rearrumação dos móveis e do espaço dedicado à sessão da coleta de depoimentos. Isso já apontava em artigo anterior no Blog de Jamildo/JC.
É bom dizer que o ponto alto dessa sessão foi o depoimento das testemunhas do assassinato de Odijas após longa jornada de torturas e suplícios. As falas trataram de questões como  ditadura e democracia, da dor do ser humano  e do idealismo daquelas juventudes etc, o que contemplou a todos que estiveram presentes. Falo que foi uma sessão completa, porque lições estiveram disponíveis  ali para quem independentemente pertencesse a uma classe social, um partido ou organização política qual fosse ela no passado ou é  na atualidade, para todas as faixas de idade que puderam assistir esse momento importante da Comissão.
Um documento que me foi entregue pelo membro da comissão Pedro Eurico após o término da sessão também me impressionou, porque lista quem era na época do assassinato de Odijas (dia 08 de fevereiro de 1971) o presidente da República, o governador de Pernambuco, o secretário de segurança pública estadual, o diretor do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e os delegados de segurança social, de roubos e furtos e da delegacia de acidentes.
         É trazido aí um contexto histórico importante, o que nos leva a refletir sobre as circunstâncias históricas, quem era quem no comando político do País-Estado e quais órgãos que praticavam repressão estavam em ação ou atividade.
         Todas as pessoas que prestaram depoimento nessa sessão estavam presas e de alguma forma testemunharam as torturas que levam à morte Odijas Carvalho. Alberto Vinícius conta que acordou quando houve uma grande movimentação no DOPS para realizar um interrogatório a Odijas acompanhado da selvageria da tortura. Falou que Odijas passava diante de sua cela quando era levado ao banheiro para tomar um banho para se livrar do sangue e para ser “despertado” para poder voltar “novo” para novas sessões de tortura. Falou da grev fome que fizeram assim que souberam dias depois da morte de Odijas, bem como um documento encaminhado a Dom Helder denunciando as circunstâncias da morte. Fez um relato impressionante de quando entregou uma calça a Odijas para que trocasse a que vestia (toda embebida em sangue). Falou que “era comum os delegados torturarem os presos políticos”. Falou e apresentou dados e documentos importantes à Comissão e ao público presente, como a carta que fez anos depois quando estava preso em Itamaracá (de 27 de outubro de 1978) contando os detalhes e apresentando os nomes dos torturadores.
Já na sabatina, Pedro Eurico lembrou que foi com a mãe de Odijas visitá-lo na prisão, após a quebra da incomunicabilidade dele. A mãe de Odijas portava um terço, sendo constrangida e intimidada pelo delegado Silvestre, que mostrou uma arma dizendo para a mãe que a bíblia do seu filho era a arma. A tentativa de desmoralizar o filho na presença da mãe representou  uma sessão de tortura contra uma mãe, conforme analisou Pedro Eurico.
         O depoente Tarzan de Castro disse que Odijas “foi escolhido para ser o mais torturado (...) foi um barbarismo continuado”. Disse que Odijas vez ou outra era levado para sua cela para dar uma “descansada” das torturas. Numa dessas ocasiões Odijas disse a ele o seguinte:  “Companheiro, eu não estou aguentando. Vão me matar”. Tarzan tentava passar energia a ele nesse momento. A pancadaria contra Odijas era tão grande que até dava para ouvir: “a voracidade de bater era tanta que eu contava as pancadas alto: 10, 20, 40, 50 e perdia de vista”.
         Tarzan resumiu o ambiente da ditadura assim: “o ser humano é brutal quando decide exercer a brutalidade”. O que pode ser percebido no que disse, quando os agentes passavam diante da sua cela: “eles suavam e transpiravam” diante do sadismo. “O silêncio dele causava o ódio dos torturadores”. Mas que a dignidade dele podia ser percebida na forma como enfrentou a tortura.
         O depoimento de Maria Cristina Rizzi também foi marcado pela emoção. Cristina é muito conhecida porque  em uma das prisões foi colega de Dilma numa cela, onde construiu uma grande amizade mesmo no clima de dor e sofrimento da prisão e das torturas.
Cristina falou desde o momento de que viu Odijas na prisão. Era um jovem com um calção que apresentava muita saúde. Atestou tempos depois um jovem todo esmagado que sangrava pela boca sendo carregado por dois “homens”, quando na ocasião Odijas ainda conseguiu pronunciar algo para ela: “Eu sou Odijas Carvalho. Meu nome é Odijas Carvalho”. Ela nunca mais o viu vivo.  A repressão o matou após  muitas torturas.
         Foi uma sessão que houve diálogo produtivo, porque todos se prepararam. Foi atestado e reforçado o que todos já sabiam, como o sadismo dos torturadores, como Miranda, “que percorria todos os cenários da tortura”.
         O membro Henrique Mariano durante a sessão levantou bem a questão da participação de Dom Helder na denúncia internacional do assassinato de Odijas. Disse que “a verdade foi violada, mas não foi abalada”. A primeira denúncia levada a Dom foi num papel de cigarro. A greve de fome para denunciar a morte de Odijas foi outro fato importante à época.
A membro da Comissão Socorro Ferraz disse algo importante sobre o bilhete levado a Dom Helder: “o documento salvou outros e eles próprios”, porque o caso repercutiu e colocou à ditadura numa situação complicada perante os outros países.
         A sessão só reforçou que nas ditaduras os crimes contra os direitos humanos não só ocorrem com a brutalidade física, mas atos de covardia e de abusos por meio de mentiras e versões fraudadas dos fatos. Só iremos avançar quando a democracia superar esses resquícios de autoritarismo que ainda estão muito presentes no nosso cotidiano.
*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

sábado, 13 de outubro de 2012

OPINIÃO: Hospital das Clínicas (HC) da UFPE: Um caso de humanização ou de humilhação? (Por Otávio Luiz Machado)



Hospital das Clínicas (HC) da UFPE: Um caso de humanização ou de humilhação?
Otávio Luiz Machado*

Ao tratar da situação dos hospitais precisamos nos remeter às políticas públicas de saúde do Brasil, que está bem longe de atender o cidadão com o devido respeito e o merecido retorno diante da alta taxa tributária que todos nós pagamos.
É uma questão de gestão pública, de interesse político e da sociedade. A imprensa pernambucana está cumprindo o seu papel de divulgar um pouquinho do que acontece dentro do HC desde o ano passado, como é o caso da falta de elevadores que levam os funcionários, visitantes (e pasmem!) até pacientes a ter de subir e descer escadas, conviver com a infiltração no prédio todo, a enfrentar filas etc etc etc.
O que fiquei sabendo é que tem um único elevador que só vez em outra não tem pane, enquanto os demais vivem quebrados. É praticamente um único elevador para transportar comida, água, remédios, funcionários, pacientes e até defuntos. É o único elevador que também transporta sozinho a indignação, a revolta e o sufoco dos que freqüentam o HC.
O Reitor Anísio Brasileiro “comemorou” dias atrás um ano de mandato. Há um ano e meio dizia em plena eleição para Reitor que o HC seria a prioridade número um. Dá para imaginar se o HC não fosse a prioridade das prioridades?
É preciso que os senadores e deputados federais de Pernambuco levem esses assuntos para o plenário e as diversas comissões do Congresso Nacional. Nessas horas fica a pergunta: por onde andam os parlamentares pernambucanos?
Não é exagero dizer que o HC piorou significativamente nos últimos tempos. A direção é a mesma já mais de meia década. Aí tem algo errado que precisa ser averiguado. Não é só a incompetência que está presente, não. Só uma auditoria profunda nas contas do HC é que vai se poder entender como os recursos são gastos, porque até água e alimentos demoram a “subir” para os pacientes que estão bastante debilitados, sem contar as moscas que ficam em cima deles. Será que os recursos não “sobem” para um atendimento humanizado na Medicina?
O total abandono do HC afeta o princípio universal da dignidade humana, sendo mais grave porque colocam muitas pessoas em condições que lembram os campos de concentração do nazi-fascismo.
         Mas com medidas simples vai se poder começar a resgatar a importância do HC. O Reitor Anísio Brasileiro, o vice Sílvio Romero Marques e a direção do HC deveriam aderir a um pacto urgente com a universidade e a sociedade de imediato. Que a partir de hoje eles serão usuários do HC, transferindo 100% das suas necessidades de atendimento de saúde para o HC sem nenhum privilégio. Eles vão encarar as filas, utilizarão os mesmos medicamentos fornecidos aos pacientes (quando tiver isso disponível), se ficarem internados vão experimentar a refeição e a água que o HC destina aos seus usuários e vão subir de escada se tiverem pressa ou alguma necessidade urgente.  Com essa atitude eu duvido que o HC não comece a melhorar. Está lançado o desafio!
         O Reitor e o Vice também poderiam fazer uma troca de espaços com o HC. Cederia seu gabinete para o HC, em contrapartida ficaria ocupando o último andar do HC até que a situação fosse melhorada no HC. Se os elevadores estiverem quebrados, que subam de escada como os outros por lá. O choque de realidade talvez dê aos dirigentes máximos da UFPE um choque de vergonha na cara, ajudando-os a trabalhar de fato para o HC.
         Outras medidas passam não apenas pelo modelo de gestão pública que tenha eficiência, mas com o melhor financiamento do HC. A chamada privatização do HC só vai mudar o modelo sem mudar o descaso. Também está em pauta a luta justa das 30 horas para os funcionários, que vai sendo ignorada solenemente pelas “autoridades”.
É fundamental que os estudantes e toda a sociedade pernambucana comecem a exigir do Reitor e do próprio MEC que as coisas mudem. Trata-se de um direito e de um ato cidadão, porque quem não poder fazer por essas que mais do que nunca precisam da solidariedade de todos para que o serviço público de qualidade esteja presente cotidianamente. É sendo feroz para ver se as coisas mudem – como já escreveu um importante intelectual – que daremos saltos no desenvolvimento social do Brasil. È preciso só começar a ver e a agir.

*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

OPINIÃO: Em busca de uma Comissão da Verdade de verdade (Por Otávio Luiz Machado)

Em busca de uma Comissão da Verdade de verdade
Otávio Luiz Machado
*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br
Quem esteve ontem (10 out. 2012) a noite no auditório da Faculdade de Direito (FDR) da  Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) pôde ter o primeiro diálogo público com a Comissão da Verdade de Pernambuco Dom Hélder Câmara.
A sessão começou com a fala do Secretário-Executivo da Comissão  Fernando Coelho, que teceu boas considerações sobre a obra pioneira sobre os mortos e desaparecidos da ditadura civil-militar de 1964. Em seguida, a apresentação sobre as organizações e partidos políticos que sofreram perseguições nesse período foi feito pela Professora Socorro Ferraz, que também apresentou a lista dos assassinados em Pernambuco ou de pernambucanos vitimiados em outros Estados, listando, inclusive, organização por organização.
É óbvio que tudo não traz só lacunas, mas também ainda falta conteúdo para identificar os mandantes e os executores dessas pessoas, o que motivou a criação, a existência e a continuidade dos seus trabalhos.
Após esse primeiro momento foi dada a palavra aos presentes. Um terma de consenso é que a identificação de todas as redes de repressão é fundamental, inclusive os seus “braços” na sociedade civil e além do Estado.
O ex-preso político e sociólogo Cajá falou da necessidade de se tirar as calúnias contra os opositores do regime de exceção dos documentos oficiais. Falou também de alguns aspectos factuais que precisam ser considerados no resgate histórico.
O militante dos direitos humanos, pesquisador e jornalista Marcelo Mário de Melo falou das possibilidades reais de identificação dos membros do Comando de Caças aos Comunistas (CCC), dando a deixa de que só um pouco mais de “vontade” da Comissão seria suficiente para se chegar aos principais nomes desse famigerado aparelho extra-intra estatal.
Marcelo citou que o atual Senador Jarbas Vasconcelos quando era estudante universitário  testemunhou uma pichação de diversos membros do CCC na Universidade Católica de Pernambuco, cujos principais nomes ele poderia ceder gentilmente sem problemas para contribuir com o resgate histórico, considerando que todos nós sabemos que a oportunidade não é para caça às bruxas e sim a busca pela verdade. Seria fundamental convidá-lo a relatar isso, considerando que Jarbas foi um militante contra ditadura naquela ocasião e ocupa atualmente um importante cargo da República. Seria não apenas um dever cívico, mas o exemplo de homem público comprometido com as iniciativas estatais dar esse depoimento mesmo que privado à Comissão.
O ex-Senador Marco Maciel, que ocupou diversos cargos políticos na estrutura do poder estatal no período da ditadura civil-militar, também seria outro que poderia ser convidado, porque a comissão precisa analisar no seu relatório o poder estatal, o funcionamento das instituições e as redes de atores que ocupavam importantes postos no período para que se possa ter a visão do Estado por dentro.
Também fiz uma fala no evento da Comissão ontem, indicando que é necessário convidar todos os atores políticos daquele período mesmo que não estejam ligados diretamente aos crimes. Sem a convocação de atores políticos que estavam na máquina estatal, a Comissão da Verdade não será uma comissão de verdade. Talvez de meias-verdades, de meias-histórias e que vai fornecer à sociedade uma entrega de uma história embrulhada em papel de presente e florida, distante de um aprofundado e necessário direito à memória e à verdade que muitos não só anseiam, mas exige.
Outro aspecto que sempre tenho considerado é que a Comissão da Verdade se faça presente na vida dos pernambucanos até a entrega do relatório final, porque sem isso ela não vai influir muito e nem deixar uma boa marca. É preciso uma visibilidade permanente com a ocupação de vários espaços nas mídias, nos eventos que podem tratar de temas do trabalho da Comissão e na permanente troca com a sociedade de forma criativa e altiva.
A comissão ainda não conseguiu criar aquilo que chamamos na metodologia da pesquisa científica de “rapport”, ou seja, uma relação de confiança entre os que fazem os levantamentos e os que podem efetivamente colaborar, o que a própria composição de alguns dos nomes da Comissão pode criar impedimentos para isso, sem contar a forma de tratamento dispensada a depoentes em sessões públicas com piadinhas e ironias que expõe as pessoas a situações até constrangedoras. É preciso corrigir urgentemente isso para que as colaborações privadas.
Nos slides apresentados me lembro de uma pequena correção que precisa ser feito. O nome correto do grupo Colina é “Comandos de Libertação Nacional”, cujo fundador e quem deu esse nome entrevistei anos atrás e pode exemplificar isso. O depoimento de Apolo Heringer Lisboa está aqui: http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/memoria-e-historia/apolo-heringer-lisboa
Nos nomes de pessoas de organizações, também sugeriria a inclusão de Jacob Gorender ali junto ao de Mário Alves. Ele foi fundador do PCBR e esteve presente na reunião de fundação do grupo em Niterói ao lado do pernambucano Bruno Maranhão. Seu depoimento será disponibilizado na segunda edição do livro que organizei intitulado CONTRIBUTOS PARA O PENSAMENTO DAS JUVENTUDES BRASILEIRAS (Memórias), que inclusive tem depoimentos importantes e ilustrativos, como o de Luiz Costa Lima (que foi dedurado por Gilberto Freyre), Elimar Nascimento (que ilustra bem a presença da Ação Popular) e tantos outros. Pode ser “baixado” aqui: www.slideshare.net/otavioluizmachado/livro-contributos-para-o-pensamento-das-juventudes-brasileiras-memrias-organizado-por-otvio-luiz-machado
Vou tentar colaborar com a Comissão dentro das minhas possibilidades fornecendo toda a documentação que coletei e deixando o acesso livre para todas as entrevistas que fiz, que somam mais de 500 em todo o Brasil cobrindo principalmente o período da ditadura civil-militar. Agindo assim posso estar estimulando outros a colaborar, também.