Os movimentos
estudantis em Pernambuco: entre o “velho” o “novo”
Otávio Luiz Machado*
Eu
inicialmente ia escrever apenas sobre as eleições do DCE da UNICAP na semana
passada, inclusive resgatando um pouco a história do Comando de Caças aos
Comunistas (CCC) naquela instituição, os episódios como a prisão do jornalista
Ricardo Noblat lá dentro pelo Major Ferreira ou a destruição com tratores
passando por cima das sedes de entidades estudantis em pleno recrudescimento da
ditadura civil-militar. Queria mostrar essa simbologia de tornar algo concreto que
aconteceu - a demolição das entidades – com o objetivo ditatorial de
transformar os movimentos estudantis literalmente em cinzas, em escombros, em
área livre de qualquer manifestação. Mas mudei, porque é fundamental tratar dos
movimentos estudantis hoje
É
fato que os movimentos estudantis possuem lá sua particularidade. Os registros
que estão sendo deixados para a história dos movimentos estudantis em
Pernambuco apontam fatos, dados e nomes que seguem duas orientações distintas nas
entidades estudantis (que são uma representação externa segundo a hierarquia
das instituições de ensino).
Já
pude discutir os movimentos juvenis na contemporaneidade com colegas de
Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos em atividade fora do
País. Ainda é um tema desafiador para qualquer estudioso do tema, porque
tratamos de fenômenos sociais cuja dinâmica interna é muito rica, plural ou
multifacetada, o que nos levou a tratar esse clássico movimento juvenil (que um
dia foi hegemônico) no universo dos jovens como movimentos estudantis.
Mas
é possível categorizá-los quando nos detemos especificamente nas entidades. Estão
divididos entre o movimento burocratizado e cartorial que são fechados em
entidades estudantis que cuidam exclusivamente dos “interesses” dos seus
representados, como venda de carteirinhas, liberação de ônibus pagos pelas
universidade para “todos” (a maior parte das vagas reservadas para os mais
chegados) e para qualquer “evento”, sem contar a busca de patrocínios para as
constantes festas. Tem universidade por aí que paga aluguel de som, toda a
divulgação, a impressão de materiais, cachê de grupos e artistas (geralmente
seus amigos), libera os espaços da universidade para promover uma atividade
geral, mas os lucros com a venda de bebidas e outras coisas mais é dividido em
partes iguais entre os organizadores. A prestação de contas não é feita para o
conjunto dos estudantes, mas só entre os organizadores que usam critérios pessoais
para “distribuir” os lucros, geralmente novas festas – dessa vez fechadas – ou
pequenos mimos pelo esforço dos mesmos naquilo que produziram. É o público
financiando o privado.
Mas
também temos um movimento estudantil realmente conectado com as demandas gerais
dos estudantes, que tornam as entidades apenas um ponto de partida e não o fim
fechado nelas, pois mesclam as pautas gerais e específicas de forma primorosa e
em constante diálogo com o conjunto de movimentos sociais, culturais e
políticos do Estado. Elas são necessariamente feitas por entidades descentralizadas,
que se somam a coletivos que são verdadeiras associações autônomas com enorme
poder de influência e decisão que conseguem mobilizar e pautar os desafios do
conjunto dos estudantes, como a questão dos preconceitos, das opressões, a
cultura e a arte, da liberdade de expressão, o tabu das drogas, a situação dos
estudantes oriundos de grupos desprivilegiados, etc.
O
que estamos vendo na eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) vai nessa segunda direção, pois
reúne uma galera nova e diferenciada, que pôde ser vista participando e tomando
frente nos principais protestos públicos no Estado nos últimos tempos, nos atos
em conjunto dos principais temas que afligem as juventudes e na formação
política constante para os desafios que crescem a cada dia.
Um
movimento de retomada do movimento estudantil brasileiro semelhante a isso só
tivemos nas ocupações de reitorias da USP e da UnB tempos atrás, porque a
organização forte dos estudantes permitiu quebrar estruturas antigas dos
movimentos estudantis burocratizados que engessavam a movimentação de um
conjunto maior de nomes em tudo que ocorria nessas universidades. Eram sempre
os mesmos grupos, as mesmas pessoas e os mesmos títulos, que tentavam se passar
por falsas renovações ou por inscrição de outros nomes para se diferenciarem,
embora a mesma estrutura de poder, as mesmas práticas para se ganhar as
eleições e a mesma falta de retorno para os estudantes.
As
eleições do DCE da UNICAP, que aconteceram nos dias 25 e 26 de outubro de 2012,
foram marcadas pela volta da normalidade democrática na disputa. Dessa vez não
houve roubo de urnas, nem eleições pela metade que deslegitimavam o DCE e muito
menos abuso do poder econômico, pois foram eleições de estudantes para os
estudantes da UNICAP.
A
comissão eleitoral foi a seguinte: Sergio Ferro (D.A. de Psicologia), Flávia
Milena Guerra Laranjeira (D.A. de Matemática), Adriano Matsui Lopes de Araujo
(D.A de Engenharia Química), Michael Lucena (D.A. de Gestão Portuária) e
Eduardo Pitt (D.A. de Direito Fernando Santa Cruz).
As
duas chapas que concorreram foram: Construção Coletiva e Viração. A primeira
englobou movimentos importantes, como o Muda Direito, o Grito Estudantil, o
Movimento Pra Fazer Diferente, a Correnteza, com a representação ou mesmo
apoios nos mais diversos diretórios acadêmicos, dentro e fora da Unicap. A
segunda foi representada por diversos nomes da juventude do PT, com o apoio de
vários nomes que fazem parte de coletivos ou grupos estudantis.
O
slogan da Construção Coletiva é “quem não se movimenta não sente as correntes
que @ prendem”, com propostas de reconstruir um DCE – já que era uma chapa de
oposição – com participação coletiva, melhorar o acesso e ampliar a biblioteca,
realizar o encontro dos Prounistas, ampliar o número de bolsas, construir
canais de divulgação do DCE com os estudantes e a sociedade (Blog, jornal,
Rádio Poste, etc), fortalecer as licenciaturas, barrar o aumento das
mensalidades e das taxas administrativas, etc. O slogan da Viração foi “o pavão
sabe, é hora de Viração”, trazendo como propostas a criação de uma empresa Jr
estudantil, uma ouvidoria estudantil, uma incubadora de projetos, uma creche
universitária e tantas outras.
Nos
dias da eleição deu para perceber que o assunto DCE “mexeu” com os estudantes,
que entenderam o quanto ele é importante para os estudantes, embora essa sigla
DCE estivesse um tanto quanto desacreditada por lá.
Os
estudantes deram mais um voto de confiança ao DCE, principalmente porque
anseiam que a entidade de fato respeite os estudantes, pois quando ele é sério
presta um serviço ao conjunto da universidade, passa a ser uma força ativa, uma
voz que é ouvida e um mecanismo de mudança no cotidiano da instituição.
Pude
também ouvir as duas plenárias dos grupos que disputou as eleições ali mesmo em
frente à sede do DCE. A Viração apostou que “a grande vitória a gente
alcançou”, que foi contribuir para o ressurgimento de seu grupo na Unicap com
novas lideranças, embora a meã-culpa quanto aos limites das disputas que
engessaram a atuação estudantil maior por ali, ao considerar o quanto é
fundamental “parar com a disputa pelo poder e unificar o movimento estudantil”.
Outra autocrítica foi em relação ao distanciamento das bases (o conjunto dos
estudantes da universidade), inclusive que foi um erro do grupo que ficou por
14 anos com sua participação, nesse caso a sempre cabeça de chapa pela União da
Juventude Comunista (UJS) do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
A
plenária da Construção Coletiva apontou que o grupo tinha a devida noção que é
preciso discutir os “problemas reais da universidade”, que é preciso “construir
uma relação muito harmoniosa com os estudantes”, que nesse processo eleitoral
“formou muita gente” e foi grande a “confiança depositada na urna” pelo
conjunto dos estudantes, sem contar que o “processo de disputa foi muito
saudável”. A Construção Coletiva sabe que encontram uma entidade “paralisada”,
que é preciso acabar com o oportunismo de grupos ou pessoas que encontram no
DCE como uma entidade só para produzir carteirinha e chegar no estudante nesse
momento, bem como é necessário transformar um processo que começou a cerca de
um ano atrás quando se começou o diálogo para reativar o DCE.
O
sentimento das pessoas que falaram nessa plenária é que o processo “foi uma
coisa de dentro da Unicap para os estudantes da Unicap”, que “apesar dessa
estafa eu me sinto muito orgulhoso, como resumiu um dos estudantes, o que só
demonstra o nível de consciência política dos membros dessa chapa, cuja
esperança pode ser resumida na fala de um (a) dos (as) estudantes: “que o
sangue que dei seja muito válido”.
Enquanto
os estudantes da UNICAP reabrem o seu DCE, o da UFRPE continua firme na luta e
o da UPE vai caminhando para atender o conjunto dos estudantes, o da UFPE vive
numa eterna “comissão gestora”, que não permite aos estudantes da instituição
ter o direito de renovar a cada ano seus dirigentes porque a vitaliciedade dos
membros não acaba. Isso abre espaço para a instrumentalização do “cargo” em
benefício próprio, o personalismo que constrói lideranças que nem discursar
direito sabem que acabam sendo o que os estudantes terão de engolir sem prazo
de validade e sem ter o direito de ter acesso às prestações de contas e ao que
elas andam fazendo em seu nome. Já passou a hora das eleições, é o momento de
tomar esse processo para que os estudantes não continuem perdendo ainda mais
enquanto um ou outro se beneficia dessa “desorganização” para lucrar.
Sem
uma entidade estudantil em atividade, o que se vai continuar percebendo nas
universidades públicas é o aparelhamento sem tamanho para beneficiar uns
poucos. Até representação estudantil foi para o exterior para atividade
política-estudantil com dinheiro público em nome do conjunto dos estudantes sem
esse conjunto tomar conhecimento algum , como já tivemos conhecimento. Uma hora
isso aparece.
A
piora das condições de permanência dos estudantes e a degradação dos espaços
públicos está relacionada à falta de uma representação dos estudantes por
inteiro, que seja sem remendos, sem improvisações desastrosas e sem demagogia.
Enquanto o DCE da UFPE continuar nessas condições os estudantes vão ter o que
merecem: muitas migalhas, muitos privilégios para poucos e muita enganação.
*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br