sábado, 8 de setembro de 2012

Notas sobre o 18º Grito dos/as Excluídos/as em Recife (em 2012) (Por Otávio Luiz Machado)

Notas sobre o 18º Grito dos/as Excluídos/as em Recife (em 2012)
Otávio Luiz Machado*

Ontem acompanhei todo o ato que desde 1995 marca o  Sete de Setembro, que longe das comemorações oficiais que estamos acostumados a ver nesse dia nas cidades brasileiras com desfiles de todos os tipos, o Grito dos/as Excluídos/as entrou no calendário como uma contra-comemoração.
Como o leque de excluídos se mantém estável desde aquela data e já é algo que acompanha o Brasil desde a entrada dos portugueses nas nossas terras em 1500, o Grito desse ano tradicionalmente chamou a atenção para os direitos das crianças, dos idosos e das mulheres, que sempre são os primeiros a puxar o ato que abriga movimentos dos sem-terra, dos sem-teto, dos estudantes, professores, dos aposentados, dos jovens de origem popular, dos funcionários públicos e privados, dos sindicatos, de organizações populares e tantos outros.
    As temáticas de luta como reforma agrária, reforma urbana, justiça popular, direito popular, direitos de protestar, contra as privatizações, pela negociação dos governos com os grevistas, pela dignidade dos aposentados, pela abertura dos arquivos e a punição dos crimes das ditaduras brasileiras, pela intensificação da luta contra a homofobia e o machismo e uma multiplicidade de questões e vozes se fizeram presentes no ato, que saiu da Praça Osvaldo Cruz, passou pela Conde da Boa Vista e seguiu até o Pátio do Carmo.
Ainda na concentração na Praça Osvaldo Cruz, a produção de cartazes, a distribuição de panfletos e documentos, as conversas e encontros dos mais diversos grupos e pessoas e o ato religioso que contou com a presença do padre Reginaldo Veloso, de Dom Saburido e do padre Miracapillo foi o começo de tudo, que contou com dois carros de som que ao longo do trajeto foi mesclando discursos dos representantes dos movimentos com uma variada e preciosa seleção de músicas.
No discurso do Padre Reginaldo Veloso ainda na concentração, que foi marcado por muita emoção, o líder dos movimentos populares e religioso foi preciso ao falar que a volta do Padre Miracapilo à Pernambuco (onde foi expulso no fim da ditadura civil-militar por se recusar a rezar uma missa para satisfazer os interesses dos poderosos) coincidia com a determinação da justiça eleitoral de tornar o Prefeito Severino Cavalcanti um candidato ficha-suja. O agora Prefeito da cidade de João Alfredo foi naquele período um dos principais nomes que defendia e usou de todas as artimanhas para expulsar o Padre Miracapilo do Brasil.
Outros momentos também foram marcantes. Na Ponte Duarte Coelho a multidão presente ao Grito coincidentemente se encontrou com um tanque do Exército e de vários soldados que passavam por ali após sair do desfile oficial de Sete de Setembro que acontecia em outro ponto da cidade (na Avenida Cruz Cabugá) ao som de “Pra Falar que não Falei das Flores” (de Geraldo Vandré). Um trecho da música  “soldados armados, armados ou não” era executado no alto do carro de som do Grito e pode ter feitos muitos associar de como era o encontro dos movimentos com militares na época da ditadura, embora ainda hoje não precisemos ir tão longe na história porque a criminalização dos movimentos sempre ocorre com a brutalidade policial em vários locais e momentos na atualidade.
Uma música-chave do MST que fala “esse é o nosso País, essa é a nossa bandeira”, a fala da criança Maria Fernanda que dizia “queremos ser cidadãos, somos o futuro da nação”,  a do locutor falando da “greve pela estruturação das universidades”, do estudante João que puxou o refrão tradicional “nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu, aqui está presente o movimento estudantil”, de Débora da Pastoral da Juventude do Meio Popular que chamou a atenção da “vida sem dignidade” de milhares de pessoas no Estado e no País, do Frei Saburido que narrou a situação do jovem que foi morto brutalmente na Funase dias atrás e das diversas vozes que reforçaram o “direito de lutar” como um dos pontos fundamentais da democracia tornou o Grito mais um exercício de cidadania e certamente contribui para a formação cidadã de diversas pessoas. Isso tudo produzido ao longo do trajeto do Grito.
Já no Pátio do Carmo uma multidão em círculo canta e dança diversas cirandas de mãos dadas. Ao som do microfone começam a aparecer as palavras finais. “O grito não termina hoje”. “A luta começa”. Para logo em seguida fechar com “Pátria Livre, venceremos!”.
Foi um ato em que pude reencontrar e conversar com diversas pessoas, mas também foi importante para reforçar algo que já venho detectando de uns tempos para cá: a indignação não deixa de crescer e as pessoas estão saindo da zona tranqüila do conformismo para o enfrentamento dos problemas da sociedade. O que esperamos ser um caminho sem volta. 


*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br

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