quinta-feira, 22 de novembro de 2012

OPINIÃO: O “JOVEM” E O “MADURO” JOSÉ DIRCEU (por Otávio Luiz Machado)

O “JOVEM” E O “MADURO” JOSÉ DIRCEU
Otávio Luiz Machado*
         Desde antes do início do julgamento do chamado “mensalão” que gostaria de fazer esse texto sobre José Dirceu. Não para falar bem ou falar mal, mas sim para tentar compreender essa figura enigmática que se tornou o centro das atenções desde as eleições de 2002, que é a que finalmente consagrou Lula vitorioso nas urnas e o fez tornar-se Presidente da República. Mas também para repudiar e não ficar como muitos por aí defendendo os que se envolveram nesse escândalo, que não vai de encontro ao Estado Democrático de Direito.
         O nome José Dirceu já configurava numa lista de pessoas que gostaria de entrevistar desde que comecei a estudar os movimentos estudantis, pois ele foi um dos principais nomes do ano de 1968 no Brasil.
         A demora para conseguir agendar com ele foi grande, mesmo  tendo a ajuda de várias pessoas para que fizesse a ponte até ele. Mas consegui quando ele já tinha saído do “centro do poder”, já tinha montado seu escritório em um bairro não muito badalado na cidade de São Paulo e também já respondia processo nesse caso do “mensalão” que seria julgado pelo STF.
A princípio queria fazer a entrevista em Recife mesmo, pois ele vez ou outra vinha por aqui. Mas em nenhuma ocasião isso foi possível, tendo na explicação dos seus assessores questões de “agenda”. Numa das vezes que estava indo a São Paulo tentei agendar então por lá mesmo, sendo finalmente agendado.
Cheguei em São Paulo numa manhã fria, cujos relógios de rua apontavam uma temperatura de 11 graus. Como estava em outro Estado no dia anterior cujos relógios marcavam 36 graus, lodo senti a grande diferença. Como a entrevista estava agendada para tarde, logo deu tempo de resolver alguns assuntos que tinha na Universidade de São Paulo (USP) pela manhã, dando tempo de almoçar rapidamente, tomar um metrô e chegar no endereço indicado sem atrasos.
Desci na estação e fui caminhando naquele frio de São Paulo que me incomodava, parando próximo do local indicado para tomar um café e dar uma olhada rápida na minha pauta de entrevista, pois já sabia de antemão que o tempo a ser dedicado a mim não seria superior ao combinado previamente, mais uma vez pela tal da agenda apertada. Já tinha localizado o lugar do seu escritório antes de me sentar numa lanchonete para tomar meu café, que por sinal era quase do lado, o que me alentou diante da garoa que ficava cada vez mais forte.
         Fui chegando em seguida ao escritório de Dirceu e me apresentando na recepção, falando que já estava agendado. Ligaram lá pra cima, confirmaram e disseram para que eu aguardasse. Enquanto esperava fiquei observando o lugar, que era muito apertado para um escritório de alguém tão importante, ouvindo a conversa de gente que vinha de todo o País para ser recebido por ele para uma agenda profissional ou até mesmo política.
Antes de me chamarem, topei com a grande economista Tânia Bacelar, que acabara de ser entrevistada por Dirceu e equipe para seu blog, cujo conteúdo é uma aula de Nordeste e de Brasil.
Passou um pouco e fui chamado, o que significou que Dirceu saíra de entrevistador para entrevistado. Fiz os cumprimentos normais e logo tentei “quebrar o gelo” conversando banalidades, pois não gosto de entrevistar ninguém sem antes bater um papo. Uma dessas banalidades era sobre a demora em conseguir marcar uma entrevista com ele, que logo foi explicada por ele que falou que no último ano tinha visitado todo o Brasil e não sei quantos países, etc.
Dirceu aparentava um pouco triste, porque no final de semana – acho que a entrevista foi numa segunda-feira – a revista Carta Capital noticiara que ele era o operador do famoso banqueiro Daniel Dantas, o que podia passar de mais uma denúncia pela imprensa (principalmente pela revista Veja e tantos outros órgãos) se não fosse uma matéria de uma revista que excepcionalmente não “entrava nesse jogo” por ser aliada do PT e de setores da esquerda.
Mas conseguimos desenvolver a entrevista bem, tendo a nossa disposição água, café e essas bolachas de sal  baratas, que ele sempre comia. Outro aspecto interessante é que ele sempre olha vocês nos olhos com uma frequência maior do comum, inclusive falando de sua própria história mostrando muito orgulho do que fez e deixou de fazer.  Deu para perceber que ele é um bom papo,  que mostra domínio da história do Brasil e sabe contar com muita clareza toda ela.
José Dirceu falou de sua participação no movimento estudantil no Brasil, de vários episódios importantes, mas não mostrou muita “animação” para falar do período que esteve em Cuba, que parece ficar como uma grande “lacuna” na sua biografia.
Após a entrevista, despedi-me e agradeci pela entrevista, ficando combinado que eu transcreveria e só divulgaria o conteúdo após a sua autorização, o que foi feito, que pode ser lida aqui:

 
         José Dirceu é um homem que como ninguém vivenciou uma parte do século XX em toda sua intensidade. Sua história de vida pelo menos precisa ser respeitada. Para quem enfrentou uma ditadura como ele, saindo da intensidade do movimento estudantil de 1968, passando pela luta armada, por prisão e seus  dissabores, saindo do País trocado pelo embaixador norte-americano, exilado, voltando clandestino ao País e fundando o maior partido de massas no País em pleno período de exceção.
É óbvio que no episódio no “mensalão” colocou toda a sua história em defesa da democracia a perder, porque ali não se fazia nada em defesa da democracia, pelo contrário. É balela que o PT precisava comprar os “corruptos”  para garantir a governabilidade do governo Lula.
O PT já tinha sido governo em prefeituras de importantes capitais como São Paulo e Porto Alegre, sendo inclusive governo em Estados como o Rio Grande do Sul, o que obviamente sabia como a coisa acontecia.
Mas foi a engenharia política de José Dirceu, o carisma de Lula e a presença de José Alencar como  candidato a vice-presidente que mudaram uma história de derrotas consecutivas e permitiram o PT chegar à Presidência da República. Na cúpula, dois Josés e um Luís foram engrenagens fundamentais para esse momento histórico, que foi fazer um retirante nordestino pobre e posteriormente um torneiro mecânico se tornasse Presidente da República. 
O cometimento de muitos erros políticos e de alianças mal costuradas gerou uma crise em precedentes no primeiro governo Lula, tendo o “mensalão”  escrito um capítulo especial.
A possibilidade de prisão, o desgaste a sua imagem e um futuro político incerto no presente momento  fazem de José Dirceu um personagem que vivenciou várias facetas em toda sua vida. De sua certa candidatura à Presidência após a saída de Lula que era colocada pó muitos do PT antes da crise do “mensalão” ao título de “culpado” após o julgamento do “mensalão” fazem de José Dirceu um personagem que nos ensina muito sobre a situação de equilibrista de todos que optam pela vida pública nesse País. O que disse Mário de Andrade, “Talvez não podemos servir de exemplo, mas podemos servir de lição”, talvez é o que mais se aplica  a José Dirceu nesse momento.


*É educador,  pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br



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