ARTIGO:
UMA NOITE EM NOME DA VERDADE, DA MEMÓRIA E DA JUSTIÇA: O significado simbólico e político da
rematrícula de Odijas Carvalho na UFRPE (PARTE 3)
Por
Otávio Luiz Machado*
A última parte da série “O significado
simbólico e político da rematrícula de Odijas Carvalho na UFRPE” é dedicada
exclusiva à análise das falas dos convidados e autoridades estudantis, docentes
e técnicas da agora centenária instituição educativa.
Os textos anteriores estão aqui:
Uma verdadeira noite em nome da Verdade,
da Memória e da Justiça foi o que todos nós contracenamos na UFPE no dia 09 de
novembro de 2012. Muitas falam representativas incríveis marcaram a ocasião,
vindas de nomes de diversas gerações.
A grande ausência foi, sem dúvida, o da
viúva de Odijas, Maria Ivone, que por motivo de saúde não pode estar ali
vivenciando uma nova imagem pública que está sendo reconstruída sobre seu
marido, que tentou ser deturpada durante tantos anos pela ditadura, seus
seguidores, apoiadores e colaboradores.
A fala inicial ficou a cargo da
Coordenadora Geral do DCE da UFRPE Odijas Carvalho, Liliane Monteiro,
considerando que foi o corpo discente o principal anfitrião, porque a
solicitação dessa rematrícula simbólica partiu dos próprios estudantes.
Liliane falou que “os estudantes fazem
parte dessa história”, que era preciso o “reconhecimento do Estado e da
Universidade”, moldando uma opinião que pode-se dizer digna de uma unanimidade
naquele recinto: “que isso seja exemplo”. Foi pedido pela estudante a punição
dos torturadores após a comissão da verdade.
Uma fala inicial de Marta de Castro
Souza, sobrinha de Odijas Carvalho, também foi emocionante. Referiu-se que não
só a história da luta de Odijas e sua própria biografia foi “deturpada pelo
Estado brasileiro”, mas o silêncio sobre o que aconteceu consegue trazer o
mesmo resultado.
A questão levantada nas primeiras falas
– e sempre retomada até o fim da solenidade - era sobre quem eram os criminosos
no período da ditadura civil-militar de 1964: os estudantes ou os torturadores?
Também foi muito no tom de “que a sociedade conheça a história da
universidade”.
Em seguida, a palavra foi dado à Reitora
da UFRPE, Maria José Sena, que além de fazer considerações sobre o significado
do ato, passou a fazer os encaminhamentos formais para a rematrícula de Odijas.
A Reitora disse nesse momento que “a
Universidade Rural de Pernambuco está vivendo hoje um dia especial”,
ressaltando mais uma vez que a homenagem à Odijas com sua rematrícula simbólica
era algo “emocionante e justo”.
A partir daí Ana Cristina (Chefe do
Controle Acadêmico), Mônica Lins (Pró-Reitora de Ensino de Graduação) e Renato
(do setor de Arquivística). Após a leitura da ata de rematrícula, simbolicmente
é chamado pela reitora o nome de Odijas Carvalho, sendo um momento em que todos
no auditório falam em uma só voz “Presente!”.
A representante da família, Marta de
Souza, então lê uma carta da viúva de Odijas, Ivone Loureiro, que pode ser
resumida na seguinte frase: “Odijas continua com suas ideias e su exemplo”.
Marta disse se sentir “muito orgulhosa
de representar a família de Odijas”, mesmo não sendo alguém que ela tenha
convivido bastante em vida porque ela tinha apenas dois anos quando ele foi
assassinado. Não teve dúvida de afirmar que “pela sua história eu sei quem é
Odijas”, indo além, “um brasileiro que queria o melhor para o Brasil”.
Em seguida são chamados para compor a
mesa nomes como Pedro Laurentino ex-Presidente do DCE da UFRPE no final dos
anos 1970 e primeiro presidente da reconstrução da União dos Estudantes de
Pernambuco, a UEP, em 1980), Valmir Costa (do movimento estudantil de 1968),
Juarez Gomes (Presidente do DCE em 1997), Adelson Borba (Presidente do DCE da
Unicap nos anos 1980), Edval Nunes Cajá (ex-preso político e militante do
movimento estudantil do final dos anos 1970), Marcelo Santa Cruz (que foi do
movimento estudantil da Faculdade de Direito da UFPE no final dos anos 1960),
Ivan Seixas (ex-preso político e da Comissao Estadual da Memória de São Paulo),
Amparo Araújo (ex-presa política e Secretária de Direitos Humanos e Segurança
Cidadã da Prefeitura de Recife) e outros.
O primeiro dessas pessoas a falar foi
Pedro Laurentino, que começou fala fazendo uma saudação com “saúdo os
estudantes combativos do DCE Odijas Carvalho”, afirmando que “a Universidade
Rural sempre foi um celeiro de combatentes e abnegados”. Fez fortes elogios à
Reitoria Maria José pela sua atitude ousada e digna.
Pedro Laurentino relembrou os tempos de
estudantes: “Na primeira semana que entrei o nome de Odijas circulava aqui como
um estudante brutalmente assassinado”. Com o ato disse que ele “volta a ser
estudante”, que seguramente mais uma vez só demonstrava que “quem está
enterrado em nosso País é o fascismo”, pois “na minha época tinha reitores
fascistas”.
Muito emocionado, fez mais um balanço do
ato ao dizer que “deixaria qualquer compromisso do meu Estado para a vir a esse
evento”. Veio da capital do Piauí especialmente para esse momento, refletindo
que “passa um filme bom na nossa cabeça porque nós não morremos”, dando sua
presença e aos demais companheiros e companheiras sendo o de “uma geração de
combatentes que se junta a essa geração”.
Ao final arrancou boas gargalhadas dos
presentes ao falar algo referindo-se à famosa música de Cazuza que dizia que
seus “heróis morreram de overdose”: “Meus heróis não morreram de overdose,
morreram na luta!”.
Esse ano fizemos uma entrevista com ele,
que pode ser lida aqui:
Em seguida, também tivemos uma outra
verdadeira “aula”, que foi a fala de Ivan Seixas. Ele começou resgatando o
período anterior à ditadura civil-militar de 1964 – que é algo pouco comum àqueles
que tratam de fazer uma análise mais acurado do golpe -, indo ao ponto
importante que fez parte do espectro daqueles que vivenciaram outra fase
macabra da nossa história política: “nenhum teve a ousadia de cobrar os crimes
da ditadura do Estado Novo”.
Para ele, esse ato fato em nome do
apaziguamento e da paz nacional contribuíram de sobremaneira para o golpe de
1964. É importante apontarmos que um golpe de direita reacionário situava como
um “fantasma” desde o suicídio de Vargas (em agosto de 1954). As inúmeras
tentativas de inviabilização da candidatura de JK (na qual setores
conservadores apostavam que se ele fosse eleito não tomaria posse, se isso
acontecesse seria derrubado), a “crise” da renúncia de Jânio Quadros, a
tentativa de impedir a assunção do cargo por João Goulart (Jango) e os inúmeros
sobressaltos em seu governo foram só alguns dos pontos que podemos levantar
para mostrar a linha tênue que os golpistas tinham.
Ivan Seixas considerou que a democracia
brasileira está num patamar avançado porque a geração de perseguidos pelo golpe
de 1964 (1964-1985) não entrou no mesmo erro da anterior. Os que passaram nas
cadeias, os que lutaram contra o golpe de 1964 não poderia deixar de cobrar, o
que foi feito ainda naquele período, pois segundo ele “relatamos os métodos de
tortura”.
Disse
que “a garantia para que não aja outra tortura é apontar os torturadores”,
elogiando osa “escrachos” promovidos pelo Levante Popular da Juventude em todo
o País indo às casas ou locais de trabalho dos torturadores da ditadura para
denunciá-los, inclusive mostrando que ali “não mora um bom velhinho, mas um
torturador sanguinário”. O que foi falado no evento é que a pessoa não deixou de
ser torturador, ela continua nessa condição mesmo após esse período todo.
Ivan não poderia deixar de falar do
evento que participava: “é um tipo de homenagem que é de uma grandeza, que é
recuperar a imagem daquele que foi colocado nos jornais como terrorista pela
ditadura”. É importante dizer que isso foi algo foram do normal, pois
“exacraram Odijas” sem se preocupar que “aquele indivíduo tinha uma família”,
que era “um defensor da liberdade” e que “esse resgate é muito importante”
porque aquelas pessoas que lutavam contra a ditadura “não lutaram contra o seu
País”.
O Ivan também não deixou de falar de sua
própria experiência, pois foi preso juntamente com seu pai na época da
ditadura: “me orgulho muito do meu pai, da minha mãe e das minhas duas irmãs
que foram presas”.
Num balanço emocionante novamente sobre
o evento, Ivan disse que “me orgulho muito de ser dessa geração”, “me orgulho
da Reitora de ter a dignidade” da verdadeira homenagem à Odijas, pois “essa
atitude é muito corajosa e muito importante para a democracia”.
Ao dizer com o conhecimento de quem
também compartilhava dos mesmos ideais de Odijas e mais uma vez que a homenagem
ali prestada era para “um lutador pela liberdade”, também sugeriu que “um
monumento para dar forma a essa homenagem” poderia ser um passo seguinte a ser
dado pela UFRPE para aprofundar o resgate da memória histórica.
Fez um balanço de sua trajetória na
resistência à ditadura ao dizer que “nós nos orgulhamos do que fizemos”,
perguntando o seguinte: “Onde estão os torturadores que torturaram essas
pessoas? A resposta dele é que os torturadores “fogem como ratos”, sem se
referir aos que hoje talvez nem sejam conhecidos como ex-torturador, porque
para ele “quem é torturador é torturador”.
Disse que haviam “aqui dentro dessa
universidade” policiais para vigiar e perseguir estudantes, porque “aqui funcionava
uma AESI”, que eram as assessorias especiais de segurança e informação
responsáveis por coletas informações sobre qualquer pessoa que dentro da
universidade fosse contra o regime para que tais dados fossem repassados
diretamente para os demais órgãos da repressão para que isso fosse utilizado na
perseguição das pessoas.
Sua fala foi didática ao considerar “que
a verdade seja contada e seja reparada”, pois “o silêncio da ditadura de Vargas
levou a outra ditadura”.. Situou um pouco a situação das universidades,
considerando que a a ditadura permitiu que “canalhas medíocres” fossem reitor
da UFRPE, porque para ele “a ditadura precisa de gente medíocre, de gente que
não pensava”.
Ao final disse que é preciso “ter a
grandeza de defender aqueles que lutam pela democracia” e que “Odijas não era
um terrorista, era um combatente revolucionário”. Sua saudação mais uma vez
mobilizou a todos os presentes que falaram com ele junto o seguinte: “Odijas,
você está presente, agora e sempre!”.
O representante da Comissão da Verdade
de Pernambuco Manoel Morais falou da desigualdade social que ainda perdura no
Estado de Pernambuco e no Brasil, citando o caso da Zonata da Mata onde aas
“desigualdades se misturam”.
Falou
que essa mesma desigualdade que persiste no Brasil foi uma das bandeiras que
Odijas abraçou e pretendia reverter essa situação, porque “ele abraçou uma
causa de transformação do nosso Estado”.
Para demonstrar isso, é preciso “trazer
à luz do dia uma verdade que não foi revelada”, sendo a verdadeira verdade do
que aconteceu com Odijas, qu até hoje é oficialmente nos documentos que falam
da sua morte como “embolia pulmonar” e não das torturas que quebraram todo o
seu corpo..
Para resolver todas essas questão fica
“o desafio de nos politizarmos”, sendo a comissão da verdade algo que
contribui, mas não substitui a luta dos movimentos sociais, dos movimentos
estudantis, tendo ainda mais , um aliado histórico: “nós temos a convicção de
Odijas”.
A Secretária de Direitos Humanos e
Segurança Cidadã do Recife e militante dos direitos humanos, Amparo Araujo, que
fez uma fala mais voltada às juventudes presentes, disse o quanto é importante
“caminhar junto com essa garotada”, principalmente “que eles continuem” e deem
“contiuidade a esse trabalho e a essa luta” que Odijas e tantos outros fizeram
anos atrás.
A fala de Valmir Costa, que foi
presidente do D.a. de Veterinária em 1968, disse ter vivido “o momento mais
importante da minha vida nesta universidade”.
Disse que queria o que todos de sua
geração pretendia, que era “ser um técnico e ajudar o País” , embora nas suas
palavras “tivemos o castigo de entrar na universidade no período da ditura”,
“um golpe planejado pelas elites dominantes deste País”.
Com a necessidade de derrubada da
ditadura, que foi um “desafio que apareceu em primeiro lugar”, ele e sua
geração foram para o enfrentamento de forma desigual contra a ditadura.
Conta
que na véspera de sua colação de grau recebeu uma notícia vinda da advogada
Mércia para que ele não comparecesse à cerimônia, porque ela tinha informações
de que um plano para sequestrá-lo nesse dia seria colocado em prática. Ele não
foi, mesmo já tendo sua família pronta para estar lá para festejar a vitória
acadêmica e pessoal de seu filho. Um constrangimento a mais que teve de sofrer
por causa da repressão.
Ao avaliar que a coisa mais importante
da sua vida foi participar da resistência à ditadura, mesmo “um pouco inocente,
mas muito consciente”, também considerou que estar ali contando sua história “é
a minha vingança”, porque “esse é um ato que aprofunda a democracia”, sem
deixar de transparecer e afirmar “eu estou muito emocionado”.
Em seguida foi a vez de Edval Nunes
Cajá, que foi preso político e lutou pela redemocratização do País, que começou
falando “essa é uma noite memorável do ponto de vista da luta para resgatar a
história”, sendo enfático ao dizer que “aqui esse resgate está sendo feito
pelos próprios lutadores sociais”.
Não poupou elogios aos responsáveis por
aquele ato estar acontecendo: “essa noite o DCE Odijas Carvalho presta não só
uma homenagem, mas contribui com o exemplo prático de como resgatar essa
história”, tendo a expectativa de “que essa verdade seja para justamente se
fazer Justiça nesse Pais”.
Cajá levantou uma questão também muito
importante, que é materializar a homenagem num monumento à Odijas e aos que
tombaram para que a democracia no Brasil fosse restabelecida.
Juarez
Gomes (Presidente do DCE em 1997), nas palavras que proferiu, disse que
“ninguém numa luta por um passado negro pode vacilar”, considerando que “existe
resquícios muito fortes para se voltar ao passado”. Referindo-se em especial à
Odijas, disse “que dentro de sai tinha um poder revolucionário”, que enfrentou
a tortura com altivez, porque “o homem se torna pequenininho diante da
tortura”. A dignidade de Odijas de enfrentar toda essa adversidade sem se
entregar só mostrava o homem digno e um autêntico lutador brasileiro que muito
contribuiu para o retorno da democracia.
O advogado e defensor dos direitos
humanos, Marcelo Santa Cruz, ao se referir à cerimônia presente disse que ela
contribuía para um “dia inesquecível nessa Universidade”, referindo-se também à
luta dos estudantes na universidade, que “sempre deu exemplos de
combatividade”.
Também falou de sua experiência no
movimento estudantil, principalmente do seu desligamento por duas vezes de uma
instituição de ensino porque lutava pela democracia. A primeira foi na
Faculdade de Direito da UFPE, em 1969 pelo decreto-lei 477, quando ele e seus
colegas ficaram impedidos de estudar por um prazo de três anos após o
desligamento de sua matrícula.
Foi então estudar numa universidade de
Lisboa, Portugal, sendo também novamente desligado por pressão do governo
brasileiro, que se associou ao ditador Manoel Caetano de Portugal, para
perseguir os estudantes brasileiros que mal começaram a estudar e receberam o
“convite” para se desligar da universidade em 78 horas sob pena de serem
extraditados para o Brasil.
Também falou dos brasileiros banidos do
País, que se refugiaram em países como a França, como foi o seu caso, quando
foi “lá tomamos conhecimento do assassinato de Odijas de Carvalho”.
Conclamou que todas as universidades que
cometeram essa injustiça de expulsar seus membros por questões de repressão que
fizessem uma homenagem simbólica como a própria UFRPE estava fazendo, tudo em
nome da memória, da verdade e da justiça.
Adelson Gomes, que foi do movimento
estudantil dos anos 1980, disse que “a perseguição era diuturna a todos os
estudantes”. Virando-se para a Reitora, disse: “Reitora, que diferença dos
nossos reitores à época”.
Não deixou passar a ocasião para
levantar a seguinte questão: “Como vamos resolver o problema de milhões sem
passar pela política?”
Pedro Lima, que foi da turma de Odijas
na UFRPE, também prestou sua homenagem ao colega. Falou que teve “a honra de
conviver com ele o tempo todo dele na Universidade”, atestando que “era um
rapaz querido, um namorador danado”. Falou que em diversos momentos “levava ele
para Garanhuns na marra”, pois ficava muito exposto à repressão e fazia assim
para ajudar seu amigo. Algumas vezes o agora cantor famoso Geraldo Azevedo
também ia com eles. Disse que “eu vi aqui nesse auditório os maiores debates
nessa universidade”, numa fala emocionada após a sua volta para homenagear seu
amigo querido.
Assim que foram encerradas as falas, a
organização do evento entregou a cada convidado (a) que se encontrava na mesa
principal um cartaz do evento para que todos tivessem mais uma boa lembrança do
evento.
A Reitora entregou uma cópia da ata de
rematrícula à representante da família de Odijas, tendo o evento encerrado com
os versos feitos por Pedro Laurentino especialmente para a ocasião. Antes de
ler, também disse: “eu milito hoje com as palavras e os versos”.
O texto ficou longo, mas aqui trago tudo
que foi falado de uma forma reduzida com os principais trechos centrais da fala
de cada um (a). Foi feito na tranquilidade do final da noite de domingo (11 de
novembro de 2012) com muito amor, atenção e carinho diante de tudo o que
contracenei na UFRPE, que foi um dos eventos mais ricos e representativos que
estive.
*É
educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail:
otaviomachado3@yahoo.com.br
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