Um
livro que fala da vida: “Onde está meu filho?”
Por
Otávio Luiz Machado*
Ao receber o exemplar da nova edição do
livro “Onde Está Meu Filho?”
das mãos do advogado, defensor dos
direitos humanos e amigo Marcelo Santa Cruz,
como já tinha conhecimento da luta de sua família inteira pelos direitos
humanos lendo a primeira edição desse livro e até entrevistando vários nomes,
então logo me veio à mente após esse gesto de confiança que essa luta tornou-se
ainda maior porque incorporou parcelas de brasileiros e brasileiras a cada nova
etapa da luta pela redemocratização do País, depois pela Constituinte, pelas
eleições livres, pela defesa de mandatos comprometidos com as causas do novo
povo e o mesmo sentimento do direito à memória, à verdade e à justiça que não
se vai deixando de lado ao longo de toda uma trajetória individual ou coletiva.
A obra não foca só e somente só na saga
de uma família em busca da verdade sobre o desaparecimento de um ente querido,
o que não é pouca coisa. A luta de Dona Elzita Santa Cruz, que é a matriarca da
família que é até hoje a bússola que
orienta todos àqueles que buscam a verdade sobre o desaparecimento de seu
filho, Fernando Santa Cruz, é o componente central de toda uma história
iniciada ainda em plena ditadura civil-militar brasileira, que ainda está sem
final, sem esclarecimentos, sem fechamentos.
O advogado Modesto da Silveira associou
a ditadura civil-militar iniciada em 1964 a uma verdadeira enciclopédia do
terror, da vergonha e do ridículo. A obra que aqui analisamos percorre de A-Z
tal enciclopédia, ao mesmo tempo em que constrói em paralelo uma enciclopédia
da verdade, da memória e da justiça. É um livro que trata da vida, do ser
humano e da natureza humana em todos em todos os seus níveis, limites e
possibilidades.
A nova edição é uma atualização bem
construída, que foi feita sem cometer o erro de modificar a estrutura do livro
original, o que poderia quebrar o objetivo principal do trabalho cujos
objetivos de transmitir toda uma luta ao longo do tempo histórico até os dias
de hoje. Sem rodeios, sem
É um livro pensado por muitas cabeças e
escrito por diversas mãos. Não poderia deixar de indicar os seus principais
organizadores presentes no esforço editorial, como Chico de Assis, Cristina
Tavares, Gilvandro Filho, Glória Brandão, Jodeval Duarte e Nagib Jorge Neto.
O prefácio ficou sob a responsabilidade
do Governador Eduardo Campos, que foi ao ponto ao colocar o nome de Elzita
Santa Cruz na galeria das mulheres lutadoras de Pernambuco, “cuja trajetória de
vida supera em grandeza e firmeza”.
Também destaca o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, que “sumiu”
quando dia 26 anos, em 23 de fevereiro de 1974. Eduardo compartilha a mesma
impressão que todos nós temos desse livro agora reeditado: “Este livro nos
conta uma história carregada de tristeza, mas, ao mesmo tempo, nos alimenta os
sentimentos de justiça e dignidade e, acima de tudo, de resistência”.
O que podemos chamar de uma nova
apresentação do livro vem no texto de Marcelo Santa Cruz intitulado “Grito de
uma mãe que não se fez calar”, que atesta que o vigor de sua mãe atualmente com
98 anos de idade é o mesmo de quase quarenta anos depois, sobretudo quando ela
questionou em diversas instâncias de governo e junto a diversos nomes – em
especial do Ministro da Justiça à época Armando Falcão – o que até hoje
continua a fazer: Onde está meu filho?
Se é um livro
que não foge do diálogo com os jovens de ontem, principalmente os
ex-militantes, também não deixa nada a
desejar no diálogo com os jovens de hoje, pois é aberto um espaço ao Diretório
Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) por meio
do movimento universitário Muda Direito.
O livro me
reavivou pessoalmente toda a minha trajetória de pesquisa sobre o movimento
estudantil quando me deparei com o depoimento de Doralina Rodrigues no texto
“meu amigo, meu irmão Fernando”. Doralina foi uma das poucas estudantes da
diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) que não foi assassinada. A
clandestinidade a salvou, porque só veio a aparecer publicamente em 1979 no
congresso de reconstrução da União dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG),
cujo discurso em papel fui o primeiro a divulgá-lo pessoalmente quando iniciei
as minhas pesquisas nos anos 2000.
Um dado
interessante que poucos sabem – e é revelado no depoimento de Doralina
Rodrigues nesse livro -, é que o filho se Fernando Santa Cruz se chama Felipe
em homenagem que o pai fez ao seu colega de militância Humberto Câmara Neto,
cujo codinome utilizado na resistência à ditadura era Felipe. A mesma pergunta de Dona Elzita também passou
a fazer parte da vida de Felipe, que era muito novo quando seu pai foi
desaparecido: Onde está meu pai?
A então mulher de Fernando, a Ana
Lúcia Valença Santa Cruz, cujo depoimento datado de 02 de dezembro de 1983
consta no livro, também é um relato surpreendente. A começar pelo título
“Feridas não cicatrizadas”. Fala, dentre
outras coisas do último encontro que Fernando foi fazer com o militante Eduardo
Collier, que também é muito contemplado nesse livro, pois desapareceu
juntamente com seu marido. Ela fala da conversa que teve com o então Chefe da
Casa Civil, o ministro Golbery do Couto e Silva, que inclusive deu falsas
esperanças à família ao dizer que tinha solução o caso do desaparecimento de
Fernando e que tudo seria resolvido. Até hoje nada se fez que pudesse dar uma
resposta de fato à insistente e justa pergunta de Elzita Santa Cruz: Onde está
meu filho?
É uma obra completa, que traz
tantos outros textos, relatos, documentos (inclusive produzidos junto ou pelos
organismos nacionais e internacionais de direitos humanos). Não estão ali
somente a lista dos mortos e desaparecidos políticos no Brasil, mas também uma
legislação importante que dá força ao Estado Democrático de Direito. É o caso
da recente lei de direito à informação, que se for bem aplicada por cada
cidadão e cidadã de nosso País, certamente
certas culturas ou resquícios do tempo da ditadura vão poder passar a
sumir de cena num futuro bem próximo.
Não só a leitura do livro que eu
indico. Chamo a atenção para os atos cívicos que marcarão o seu lançamento. O
primeiro será no dia 20 de novembro, às 19 h, no Museu do Estado de Pernambuco,
que deverá ser bastante concorrido.
Muito me honra
fazer uma primeira análise desse livro, pois é um livro de referência na luta
dos direitos humanos no Brasil. Depois também escreverei um pouco mais sobre os
detalhes históricos traçados na obra.
*É
educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahpp.com.br
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