sábado, 10 de novembro de 2012

RESENHA: Um livro que fala da vida: “Onde está meu filho?” (Por Otávio Luiz Machado)



Um livro que fala da vida: “Onde está meu filho?
Por Otávio Luiz Machado*

Ao receber o exemplar da nova edição do livro “Onde Está Meu Filho?” das mãos do advogado,  defensor dos direitos humanos e amigo Marcelo Santa Cruz,  como já tinha conhecimento da luta de sua família inteira pelos direitos humanos lendo a primeira edição desse livro e até entrevistando vários nomes, então logo me veio à mente após esse gesto de confiança que essa luta tornou-se ainda maior porque incorporou parcelas de brasileiros e brasileiras a cada nova etapa da luta pela redemocratização do País, depois pela Constituinte, pelas eleições livres, pela defesa de mandatos comprometidos com as causas do novo povo e o mesmo sentimento do direito à memória, à verdade e à justiça que não se vai deixando de lado ao longo de toda uma trajetória individual ou coletiva.
A obra não foca só e somente só na saga de uma família em busca da verdade sobre o desaparecimento de um ente querido, o que não é pouca coisa. A luta de Dona Elzita Santa Cruz, que é a matriarca da família que é até hoje  a bússola que orienta todos àqueles que buscam a verdade sobre o desaparecimento de seu filho, Fernando Santa Cruz, é o componente central de toda uma história iniciada ainda em plena ditadura civil-militar brasileira, que ainda está sem final, sem esclarecimentos, sem fechamentos.
O advogado Modesto da Silveira associou a ditadura civil-militar iniciada em 1964 a uma verdadeira enciclopédia do terror, da vergonha e do ridículo. A obra que aqui analisamos percorre de A-Z tal enciclopédia, ao mesmo tempo em que constrói em paralelo uma enciclopédia da verdade, da memória e da justiça. É um livro que trata da vida, do ser humano e da natureza humana em todos em todos os seus níveis, limites e possibilidades.
         A nova edição é uma atualização bem construída, que foi feita sem cometer o erro de modificar a estrutura do livro original, o que poderia quebrar o objetivo principal do trabalho cujos objetivos de transmitir toda uma luta ao longo do tempo histórico até os dias de hoje. Sem rodeios, sem
         É um livro pensado por muitas cabeças e escrito por diversas mãos. Não poderia deixar de indicar os seus principais organizadores presentes no esforço editorial, como Chico de Assis, Cristina Tavares, Gilvandro Filho, Glória Brandão, Jodeval Duarte e Nagib Jorge Neto.
O prefácio ficou sob a responsabilidade do Governador Eduardo Campos, que foi ao ponto ao colocar o nome de Elzita Santa Cruz na galeria das mulheres lutadoras de Pernambuco, “cuja trajetória de vida supera em grandeza e firmeza”.  Também destaca o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, que “sumiu” quando dia 26 anos, em 23 de fevereiro de 1974. Eduardo compartilha a mesma impressão que todos nós temos desse livro agora reeditado: “Este livro nos conta uma história carregada de tristeza, mas, ao mesmo tempo, nos alimenta os sentimentos de justiça e dignidade e, acima de tudo, de resistência”.
O que podemos chamar de uma nova apresentação do livro vem no texto de Marcelo Santa Cruz intitulado “Grito de uma mãe que não se fez calar”, que atesta que o vigor de sua mãe atualmente com 98 anos de idade é o mesmo de quase quarenta anos depois, sobretudo quando ela questionou em diversas instâncias de governo e junto a diversos nomes – em especial do Ministro da Justiça à época Armando Falcão – o que até hoje continua a fazer: Onde está meu filho?
Se é um livro que não foge do diálogo com os jovens de ontem, principalmente os ex-militantes,  também não deixa nada a desejar no diálogo com os jovens de hoje, pois é aberto um espaço ao Diretório Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) por meio do movimento universitário Muda Direito.
O livro me reavivou pessoalmente toda a minha trajetória de pesquisa sobre o movimento estudantil quando me deparei com o depoimento de Doralina Rodrigues no texto “meu amigo, meu irmão Fernando”. Doralina foi uma das poucas estudantes da diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) que não foi assassinada. A clandestinidade a salvou, porque só veio a aparecer publicamente em 1979 no congresso de reconstrução da União dos Estudantes de Minas Gerais (UEE-MG), cujo discurso em papel fui o primeiro a divulgá-lo pessoalmente quando iniciei as minhas pesquisas nos anos 2000.
Um dado interessante que poucos sabem – e é revelado no depoimento de Doralina Rodrigues nesse livro -, é que o filho se Fernando Santa Cruz se chama Felipe em homenagem que o pai fez ao seu colega de militância Humberto Câmara Neto, cujo codinome utilizado na resistência à ditadura era Felipe.  A mesma pergunta de Dona Elzita também passou a fazer parte da vida de Felipe, que era muito novo quando seu pai foi desaparecido: Onde está meu pai?
A então mulher de Fernando, a Ana Lúcia Valença Santa Cruz, cujo depoimento datado de 02 de dezembro de 1983 consta no livro, também é um relato surpreendente. A começar pelo título “Feridas não cicatrizadas”.  Fala, dentre outras coisas do último encontro que Fernando foi fazer com o militante Eduardo Collier, que também é muito contemplado nesse livro, pois desapareceu juntamente com seu marido. Ela fala da conversa que teve com o então Chefe da Casa Civil, o ministro Golbery do Couto e Silva, que inclusive deu falsas esperanças à família ao dizer que tinha solução o caso do desaparecimento de Fernando e que tudo seria resolvido. Até hoje nada se fez que pudesse dar uma resposta de fato à insistente e justa pergunta de Elzita Santa Cruz: Onde está meu filho?
É uma obra completa, que traz tantos outros textos, relatos, documentos (inclusive produzidos junto ou pelos organismos nacionais e internacionais de direitos humanos). Não estão ali somente a lista dos mortos e desaparecidos políticos no Brasil, mas também uma legislação importante que dá força ao Estado Democrático de Direito. É o caso da recente lei de direito à informação, que se for bem aplicada por cada cidadão e cidadã de nosso País, certamente  certas culturas ou resquícios do tempo da ditadura vão poder passar a sumir de cena num futuro bem próximo.
Não só a leitura do livro que eu indico. Chamo a atenção para os atos cívicos que marcarão o seu lançamento. O primeiro será no dia 20 de novembro, às 19 h, no Museu do Estado de Pernambuco, que deverá ser bastante concorrido.
Muito me honra fazer uma primeira análise desse livro, pois é um livro de referência na luta dos direitos humanos no Brasil. Depois também escreverei um pouco mais sobre os detalhes históricos traçados na obra.
*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahpp.com.br

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