O Jovem Ivanildo
Sampaio: ou como adquiri uma nova chave de leitura para o estudo dos movimentos
estudantis com a sua experiência
No contexto da homenagem da Assembléia Legislativa de Pernambuco (ALEPE)
pelos 45 anos de dedicação ao Jornalismo ao excelente profissional Ivanildo
Sampaio, quando pude acompanhar a sessão, o discurso do homenageado e a
repercussão no dia seguinte nos jornais, veio-me à memória o quanto ele é para
o meu trabalho de pesquisa como depoente, assim como tem sido tolerante para a
publicização do que faço abrindo espaço
no Jornal do Commercio (JC) para divulgar o trabalho e ou expor as minhas ideias.
O depoimento dele que publicamos no
livro “Contributos para o pensamento das juventudes Brasileiras (Memórias)”, no qual fui o organizador, tem sido muito apreciado
pelos jovens, pois ele narra toda a sua trajetória de estudante ao profissional
reconhecido que já é desde longa data, sem contar que passa várias “dicas” aos
que querem fazer a diferença na profissão de jornalismo, principalmente na
adoção de um padrão ético, cabendo ao profissional “ter
consciência de que nós temos um dever para com a sociedade” e “que Jornalismo
é um serviço público”.
A
íntegra do livro está aqui:
Um trecho do depoimento de Ivanildo foi
inserido sob a minha sugestão no livro JONAS! PRESENTE ... AGORA E SEMPRE!, da escritora Marisa Barros, que foi editado pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE) e lançado justamente no mesmo dia que completaria os 45 anos do golpe de 1964, em primeiro de abril de 2009.]
Nunca tinha me deparado até então com uma descrição tão detalhada sobre o
primeiro dia do golpe de 1964 em Recife, que foi justamente num primeiro de
abril. Essa parte, que foi tirada do seu depoimento concedido a mim, pode ser
observado aqui:
Antes de fazer um pequeno resumo do
jovem Ivanildo Sampaio, só gostaria de registrar o contributo dele ao meu
trabalho dedicado ao estudo dos movimentos estudantil no Brasil, inclusive como
sua narrativa me permitiu novas chaves de leitura para esse fenômeno social que
marcou a vida do País nos anos 1960 e envolveu parte da juventude numa utopia e
formas de comportamentos altamente diferenciados ao que tínhamos até então.
Ao
procurar Ivanildo queria conhecer os movimentos estudantis da década de 1960 na
ótica de quem construiu uma imagem sobre aqueles movimentos daquela época escrevendo
sobre ele na imprensa, principalmente de alguém que vivia o momento, o calor, o
pulsar e a efervescência das juventudes. No caso de Ivanildo não se tratava de
um jornalista qualquer no ofício de sua profissão, mas de um jovem repórter,
que também tinha os mesmos dilemas, as mesmas preocupações e o mesmo (des)
cuidado no enfrentamento da repressão militar.
No
seu depoimento ficou muito claro para mim como “os estudantes ainda eram os porta-vozes da sociedade”, porque como
repórter ele definitivamente construiu “uma experiência legítima”, que é capaz
de contar não só os bastidores das coberturas, mas de ser afirmativo falando o
comportamento da imprensa: “Se você for pegar as coleções de jornais da época,
poderá ver a cobertura de tudo isso, mas não verá nenhuma nota nem favorável
ou contrária, pois tudo era absolutamente neutro. Seria como se a imprensa
dissesse: “eu não tenho nada com isso. A minha obrigação é cobrir os fatos””.
Na reflexão que agora fez recentemente
em entrevista ao Jornalista Ayrton Maciel (publicado no JC de 13 de nov. de
2012), também falou do seu trabalho
junto ao movimento estudantil:
“Eu
cobri movimento estudantil no Recife. Cobri passeatas, levei porrada nas
costas. Saí em passeata como estudante, depois cobri como jornalista. No Rio,
quando eu cheguei, início de 69, já tinha saído o AI-5 (dezembro de 68), aí o
pau comia. A repressão era realmente violenta. Todo mundo trabalhava com medo”
Na Assembléia fez o seguinte discurso:
Outro ponto importante no depoimento
reforçou a questão de pesquisa que já havia trabalhado numa dissertação de
mestrado em Sociologia, que é a questão entre formação profissional e
participação política no movimento estudantil na construção de temáticas e de
sociabilidades entre os estudantes.
A sua fala identificou uma mudança no
padrão de formação dos jornalistas:
“A coisa mais importante de tudo isso é que nós, de
minha geração, fomos de um ponto de transição: deixamos de fazer um jornalismo
que era romântico e nos tornamos de fato jornalistas profissionais. O
jornalismo passou a ser uma atividade para a qual você se dedica e o qual
sustenta a sua família. Eu não faço jornal por causa de uma cachaça ou de uma
conversa, mas porque o jornalismo é a minha profissão”.
Agora, passo então a esmiuçar um pouco
mais sobre o JOVEM IVANILDO SAMPAIO, que saiu da cidade de São José do Egito
(interior de Pernambuco) para vir estudar no Recife, tendo inclusive planos de
posteriormente buscar chances de um trabalho melhor naquela que estava sendo a
cidade das oportunidades, a recém-inaugurada cidade de Brasília.
Ao chegar em Recife, no ano de 1961, a
minha providência foi arrumar uma pensão barata para se instalar e sair em
busca de uma oportunidade de trabalho, que conseguiu cerca de dois meses após sua
chegada.
Como seus pais não tinham condições de
colaborar financeiramente para os
estudos universitários de Ivanildo e ele ganhava um salário modesto, então por
dois anos o jeito foi se dedicar exclusivamente ao trabalho.
Em 1963 passou no vestibular da
Universidade Católica de Pernambuco, onde começou o curso de Jornalismo na
parte da noite. Por mais um ano ainda continuou trabalhando num banco, quando
saiu para ser estagiário da revista Manchete, assumindo um pouco depois uma
coluna no JC.
Saiu da pensão onde morava para uma
república estudantil, quando pôde
conviver de uma forma mais intensa com tantos outros jovens que vinham de
vários lugares.Um fato que
talvez nem todos saibam, mas Ivanildo teve participação no movimento
estudantil da Universidade Católica de Pernambuco, sendo inclusive Presidente
de Diretório Acadêmico. Aqui ele fala um pouco mais da formação do D.A. de
Jornalismo:
“Quando
eu entrei na Faculdade, em 1963, o curso de Jornalismo era parte integrante da
Faculdade de Filosofia. Não havia um Diretório Acadêmico de Jornalismo. Havia o
Diretório Acadêmico de Filosofia. E como eu sou meio inquieto, quando cheguei
vi que havia uma continuidade naquele negócio. Eram sempre as mesmas pessoas,
tanto na chapa anterior, como na atual. E havia um pouco de profissionalismo
estudantil nos Diretórios. E aí eu me insurgi contra isso no primeiro ano,
quando fui representante de classe. No segundo anos nós criamos o nosso Centro.
Nós e o pessoal de Psicologia, que também tinha o mesmo problema e eram ligados
à Faculdade de Filosofia. E como os dois cursos ainda não haviam sido
reconhecidos pelo MEC, então não podiam ter um Diretório. E Psicologia e
Jornalismo então criaram os seus Centros Acadêmicos. Nós éramos considerados
dentro da Faculdade como grupos de esquerda”.
Aqui ele conta sobre sua eleição para a
presidência do D.A.:
“E
eu fui eleito Presidente do Centro Acadêmico de Jornalismo, apesar de ter na
minha sala uma usineira, um funcionário do Consulado norte-americano, um
capitão da Marinha e outros que eram declaradamente da direita. Mas tínhamos
maioria, pois numa classe de cinqüenta, acredito que ganhei a eleição com mais
ou menos trinta e sete votos como representante de classe, e no curso inteiro,
quando me candidatei à Presidente do Centro fui eleito com cerca de 70 por
cento dos votos”.
No seu depoimento já citado no livro
acima, Ivanildo nos conta das conquistas, das bandeiras e do que puderam fazer
em prol da UNICAP enquanto estudantes. Lá ele conta em detalhes o que
presenciou no primeiro dia do golpe de 1964 em Recife, que como já disse
anteriormente, trata-se de um belo relato com muitos detalhes do que se passou
na cidade no 1º de abril de 1964.
“E
eu me lembro que eu ia com uma dessas bandeiras, com mais duas pessoas ao meu
lado também portando bandeiras. E vínhamos cantando o hino nacional. E quando a
gente dobrou a Rua Nova e em frente à Igreja, aí que a gente viu que estava
tudo fechado e soldados com ninhos de metralhadoras. E a gente queria chegar ao
Palácio para apoiar Arraes. Mas era coisa de menino. E aí aparece um militar e diz: “Alto lá!”. E
um outro: “Preparar. Fogo!”. Aí quando a bala comeu, evidentemente eu sacudi a
bandeira no chão e corri. Eu só sei que quando corria vi duas pessoas caídas no
chão. Eu não sabia quem era porque eu conhecia poucas pessoas ali. Acho que
ninguém conhecia ninguém. Só o pessoal que era muito militante do Partidão é
que sabia quem estava ali. Porque das cerca de trezentas pessoas que estavam
ali se eu conhecesse dez era muito. E aquela passeata foi uma coisa dispersa e
sem coordenação alguma. Então era uma maluquice. Embora fosse uma passeata que saiu da Escola
de Engenharia, havia muita gente do movimento secundarista. Mas o grosso mesmo
cresceu por geração espontânea. Como era o único grupo que estava protestando
na rua por algo que ninguém sabia o que era, a passeata foi engrossando, composta,
possivelmente, por cerca de 90 por cento de estudantes. E antes de chegar ao
Palácio, quando sacudi a bandeira no chão e saí correndo, eu estava tão
desnorteado que peguei a 1º de Março. E aí vem a Polícia com a Cavalaria. E quando eu vou correr de volta e chego à
Duque de Caxias para tomar a Rua Direita, onde morava numa república de
estudantes. Na esquina na Praça 17 tinha um café (que vendia cafezinho, café em
pó e em grão) que estava fechado. E sentado junto a calçada nesse café parou
uma menina com um furo acima do peito de onde o sangue espirrava, como um
esguicho. Eu parei e dei um lenço pra ela. E a cavalaria aparece na esquina da
Pracinha no início da Duque de Caxias. Aí eu corro, pego a Praça do Livramento
e desço a rua Direita, que era onde eu morava. Subo a escada da república e me
guardo lá em cima. Havia uma escada grande naquele número 74, e a gente
almoçava no 78. Aí eu subo lá e me aquieto. Não tem aula”.
Tantos outros detalhes se encontram no
depoimento que fizemos de Ivanildo, que também conta os primeiros desafios como
repórter ainda na condição de estudante.
É um depoimento completo, que fala da transição da juventude para a vida
adulta com muitos detalhes, que só um jornalista experiente como ele teria
condições de oferecer. Fica sendo essa a nossa homenagem a ele, o nosso
reconhecimento e gratidão.

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