segunda-feira, 12 de novembro de 2012

OPINIÃO: Falando mais um pouco sobre a restauração da verdade: ou o significado simbólico e político da rematrícula de Odijas Carvalho na UFRPE (PARTE 2)




Falando mais um pouco sobre a restauração da verdade: ou o significado simbólico e político da rematrícula de Odijas Carvalho na UFRPE (PARTE 2)

Por Otávio Luiz Machado*

Aqui damos continuidade ao artigo anterior que escrevemos sobre o  ato de rematrícula simbólica do estudante Odijas Carvalho de Souza na Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE), que aconteceu no dia 09 de novembro de 2012.
A primeira parte pode ser lida aqui:
 Na UFRPE o dia 09 de novembro teve dois eventos importantíssimos que visam dar Luz ao sagrado direito à verdade e à memória, que até hoje continua sendo negado aos cidadãos e cidadãs do nosso País.
O evento da tarde foi um seminário intitulado “Pelo direito à memória, verdade e justiça”, que deu o tom à rematrícula simbólica de Odijas Carvalho na parte da noite.
O público da tarde foi composto na sua maioria por estudantes do primeiro e do terceiro ano da Escola Estadual de Referência Professor Candido Duarte, que puderam estar diante de apresentações sobre o período da ditadura civil-militar de 1964.
A mediação dos trabalhos foi da estudante Camila, do Diretório Central dos Estudantes Odijas Carvalho, cuja organização geral também estiveram envolvidos diversos estudantes da UFRPE, principalmente do curso de História da instituição.
A apresentação inicial poderia ter sido melhor produzida no tocante ao uso dos recursos técnicos, porque utilizou-se slides com textos longos e fonte pequena, o que certamente dificultou o acesso aos dados e o acompanhamento da fala de uma professora da própria universidade, Marcília Gama,  embora apresentasse bem a trajetória dos organismos de informação no Brasil do início aos dias de hoje, a luta social e política para a abertura e divulgação dos arquivos da repressão em Pernambuco, inclusive com a sistematização de toda uma legislação exclusiva sobre o reconhecimento do Estado quanto ao seu dever de informar à sociedade a história da repressão e os destinos dos desaparecidos que até hoje pouco se sabe sobre eles no tocante à localização dos seus restos mortais.
Em seguida, Nadja Brayner, da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara fez sua apresentação, salientando que o trabalho da Comissão é o de produzir “um conhecimento mais sistematizado do que ocorreu”. Como é da relatoria que analisa o caso específico de Odijas Carvalho, também fez uma fala elevando o valor da luta dele contra a ditadura, pois é preciso considerarmos que no período da ditadura o nome de Odijas foi divulgado (principalmente na UFRPE) como o de alguém que era contra o País e era colocado pela repressão e seus apoiadores como quem merecia ser mais conhecido como “terrorista”.
Até hoje ainda é preciso desqualificar tais versões da ditadura, o que Nadja fez bem: “O grande pecado de Odijas foi participar da luta pela democracia”. Citou, inclusive, que um dos delegados da época que “acompanhou” a sessão de tortura que resultou na morte de Odijas, o então delegado Aquino de Farias, já foi convidado para dar um depoimento sobre o caso à Comissão da Verdade de Pernambuco. O ex-delegado é aposentado como desembargador.
Em seguida, o advogado defensor dos direitos humanos e vereador da cidade de Olinda, Marcelo Santa Cruz, também convidado do evento, foi enfático que é preciso colocar no programa da universidade o resgate da memória da luta travada nos anos de chumbo da ditadura.
Sua fala foi muito esclarecedora, também, porque situou para muitos que não viveram naquele período “que o movimento estudantil exerceu um papel muito importante na luta contra a ditadura”, pois foi  primeiro a se reorganizar e fazer um trabalho de resistência à ditadura.
Situou que após o AI-5 (Ato Institucional número 5), de 13 de dezembro de 1968, que é mais conhecido pelos estudiosos do tema como “o golpe dentro  do golpe” porque expôs um racha entre a ala “linha dura” (mais encarnada entre os militares ligados à Costa e Silva e que pretendiam “engrossar o caldo” radicalizando a repressão com a “justificativa” de combater a luta armada) e a tendência “Castelhista” (de militares que mantinham uma linha mais “intelectualizada” até então levada pelo grupo de Castelo Branco e que compartilhava a necessidade de uma transição para a democracia mais efetiva).
Marcelo Santa Cruz expôs que foi a partir do AI-5 que “começou a ocorrer os assassinatos mais intensamente”, principalmente quando a prisão e o julgamento mesmo desmedidos deram lugar à tortura sistematizada e ao desaparecimento de opositores do regime.
Ele vive o drama de possui familiar na lista dos desaparecidos políticos, como é o caso do seu irmão Fernando Santa Cruz. Também disse que aí está a questão mais dolorosa do sistema, pois sem o corpo fica-se “sem conseguir materializar a morte”. Na ocasião falou do lançamento do livro que trata da sua história de sua família (em especial da luta para saber como seu irmão foi morto e encontrar o corpo de seu irmão). O livro “Onde está meu filho?” será lançado no dia 20 de novembro de 2012, às 19h, no Museu do Estado de Pernambuco).
O seminário da tarde pecou por não promover um debate após a fala dos convidados, mas mesmo assim seu saldo foi muito positivo.
No próximo texto focaremos mais na fala específica dos convidados na sessão de rematrícula de Odijas Carvalho.


*É educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br


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