Falando mais um pouco
sobre a restauração da verdade: ou o significado simbólico e político da
rematrícula de Odijas Carvalho na UFRPE (PARTE 2)
Por Otávio Luiz
Machado*
Aqui
damos continuidade ao artigo anterior que escrevemos sobre o ato de rematrícula simbólica do estudante
Odijas Carvalho de Souza na Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE), que
aconteceu no dia 09 de novembro de 2012.
A
primeira parte pode ser lida aqui:
Na UFRPE o dia 09 de novembro teve dois
eventos importantíssimos que visam dar Luz ao sagrado direito à verdade e à
memória, que até hoje continua sendo negado aos cidadãos e cidadãs do nosso
País.
O
evento da tarde foi um seminário intitulado “Pelo direito à memória, verdade e
justiça”, que deu o tom à rematrícula simbólica de Odijas Carvalho na parte da
noite.
O
público da tarde foi composto na sua maioria por estudantes do primeiro e do
terceiro ano da Escola Estadual de Referência Professor Candido Duarte, que
puderam estar diante de apresentações sobre o período da ditadura civil-militar
de 1964.
A
mediação dos trabalhos foi da estudante Camila, do Diretório Central dos
Estudantes Odijas Carvalho, cuja organização geral também estiveram envolvidos
diversos estudantes da UFRPE, principalmente do curso de História da
instituição.
A
apresentação inicial poderia ter sido melhor produzida no tocante ao uso dos
recursos técnicos, porque utilizou-se slides com textos longos e fonte pequena,
o que certamente dificultou o acesso aos dados e o acompanhamento da fala de
uma professora da própria universidade, Marcília Gama, embora apresentasse bem a trajetória dos
organismos de informação no Brasil do início aos dias de hoje, a luta social e
política para a abertura e divulgação dos arquivos da repressão em Pernambuco,
inclusive com a sistematização de toda uma legislação exclusiva sobre o
reconhecimento do Estado quanto ao seu dever de informar à sociedade a história
da repressão e os destinos dos desaparecidos que até hoje pouco se sabe sobre
eles no tocante à localização dos seus restos mortais.
Em
seguida, Nadja Brayner, da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder
Câmara fez sua apresentação, salientando que o trabalho da Comissão é o de
produzir “um conhecimento mais sistematizado do que ocorreu”. Como é da
relatoria que analisa o caso específico de Odijas Carvalho, também fez uma fala
elevando o valor da luta dele contra a ditadura, pois é preciso considerarmos
que no período da ditadura o nome de Odijas foi divulgado (principalmente na
UFRPE) como o de alguém que era contra o País e era colocado pela repressão e
seus apoiadores como quem merecia ser mais conhecido como “terrorista”.
Até
hoje ainda é preciso desqualificar tais versões da ditadura, o que Nadja fez
bem: “O grande pecado de Odijas foi participar da luta pela democracia”. Citou,
inclusive, que um dos delegados da época que “acompanhou” a sessão de tortura
que resultou na morte de Odijas, o então delegado Aquino de Farias, já foi
convidado para dar um depoimento sobre o caso à Comissão da Verdade de
Pernambuco. O ex-delegado é aposentado como desembargador.
Em
seguida, o advogado defensor dos direitos humanos e vereador da cidade de
Olinda, Marcelo Santa Cruz, também convidado do evento, foi enfático que é
preciso colocar no programa da universidade o resgate da memória da luta
travada nos anos de chumbo da ditadura.
Sua
fala foi muito esclarecedora, também, porque situou para muitos que não viveram
naquele período “que o movimento estudantil exerceu um papel muito importante
na luta contra a ditadura”, pois foi
primeiro a se reorganizar e fazer um trabalho de resistência à ditadura.
Situou
que após o AI-5 (Ato Institucional número 5), de 13 de dezembro de 1968, que é
mais conhecido pelos estudiosos do tema como “o golpe dentro do golpe” porque expôs um racha entre a ala
“linha dura” (mais encarnada entre os militares ligados à Costa e Silva e que
pretendiam “engrossar o caldo” radicalizando a repressão com a “justificativa”
de combater a luta armada) e a tendência “Castelhista” (de militares que
mantinham uma linha mais “intelectualizada” até então levada pelo grupo de
Castelo Branco e que compartilhava a necessidade de uma transição para a
democracia mais efetiva).
Marcelo
Santa Cruz expôs que foi a partir do AI-5 que “começou a ocorrer os
assassinatos mais intensamente”, principalmente quando a prisão e o julgamento
mesmo desmedidos deram lugar à tortura sistematizada e ao desaparecimento de
opositores do regime.
Ele
vive o drama de possui familiar na lista dos desaparecidos políticos, como é o
caso do seu irmão Fernando Santa Cruz. Também disse que aí está a questão mais
dolorosa do sistema, pois sem o corpo fica-se “sem conseguir materializar a
morte”. Na ocasião falou do lançamento do livro que trata da sua história de
sua família (em especial da luta para saber como seu irmão foi morto e
encontrar o corpo de seu irmão). O livro “Onde está meu filho?”
será lançado no dia 20 de novembro de 2012, às 19h, no Museu do Estado de
Pernambuco).
O
seminário da tarde pecou por não promover um debate após a fala dos convidados,
mas mesmo assim seu saldo foi muito positivo.
No
próximo texto focaremos mais na fala específica dos convidados na sessão de
rematrícula de Odijas Carvalho.
*É
educador, pesquisador, escritor e documentarista. E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br
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